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A agonia de Itupararanga

06 de Abril de 2019 às 21:42

O jornal Cruzeiro do Sul, como vem demonstrando ao longo de mais um século de existência, tem um compromisso forte com a defesa de valores importantes para a comunidade, entre eles a defesa do Meio Ambiente. No final dos anos 1990, diante dos primeiros sinais do declínio na qualidade da água da represa de Itupararanga, principal manancial da região e que é responsável pelo abastecimento de 80% da população sorocabana, iniciou uma série de reportagens denunciando a ocupação irregular de suas margens, a criação indiscriminada de loteamentos e a expansão da agricultura no seu entorno, com o uso intensivo de agrotóxicos já naquela época. O trabalho jornalístico teve grande repercussão, movimentou a sociedade civil e resultou na criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Itupararanga por meio de lei estadual em dezembro de 1998.

De lá para cá, apesar de oficializada a Área de Proteção Ambiental e o trabalho dedicado de entidades ligadas à proteção do meio ambiente, a degradação só vem aumentando. Muitos dos leitores deste jornal se assustaram ao ler a primeira reportagem de uma nova série sobre o assunto, no dia 23 de março, que tratava do uso de agrotóxicos às margens da represa, o lançamento irregular de esgoto não tratado e a ocupação desordenada do solo. Muitos manifestaram publicamente sua compreensível indignação.

Na edição de ontem, uma nova reportagem trouxe aos leitores as informações colhidas junto a uma pesquisadora do assunto que mostra que a ocupação agrícola no entorno da represa quase dobrou em seis anos. A pesquisadora, que usou sua pesquisa como dissertação de mestrado no câmpus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), utilizou, entre outros recursos, imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As mesmas imagens mostram que a ocupação urbana na APA cresceu 25% no mesmo período. O trabalho alerta principalmente para o perigo dos insumos agrícolas utilizados nas plantações que são levadas para a represa e as dificuldades encontradas pelo conselho gestor da APA, um órgão consultivo ligado à Fundação Florestal, órgão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em realizar seu trabalho.

Em outra reportagem, esta publicada nesta edição do jornal, os leitores podem se indignar ainda mais ao tomar conhecimento que uma área de 131 mil metros quadrados inserida na APA de Itupararanga foi desmatada em 2013 por uma construtora. Segundo a ong SOS Itupararanga, os danos causados pelo desmatamento são imensuráveis. Uma diretora da entidade conta que a empresa realizou o desmatamento muito rapidamente, enterrou a madeira na própria área para não chamar atenção e ainda soterrou uma nascente que ficava no fundo do terreno. Cinco anos se passaram desde o crime ambiental e até agora nenhuma medida reparadora estabelecida por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público foi cumprida. A área, localizada no município de Ibiúna, tinha vegetação nativa da Mata Atlântica e o corte irregular de centenas de árvores afetaram seriamente a fauna daquela região. O TAC estabeleceu que a empresa deveria plantar 21.949 árvores de 80 espécies diferentes nativas da região em, no máximo, seis meses. Nenhuma árvore foi plantada até agora e a área que seria usada para um loteamento com centenas de lotes tem apenas mato alto e está cercada. Os responsáveis pelo crime ambiental também não foram punidos. As empresas responsáveis também foram multadas em R$ 395 mil, mas não pagaram. Esses débitos já foram incluídos na Dívida Ativa do órgão de fiscalização ambiental.

A prefeitura de Ibiúna, onde está o loteamento irregular, tem uma Secretaria do Meio Ambiente para tratar desses assuntos e seu titular não esconde as dificuldades em proteger a área do interesse das empresas imobiliárias, bem como conscientizar agricultores sobre o uso de agrotóxicos. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) finge-se de morta. Embora seja uma das responsáveis pela fiscalização da área, tem se mantido omissa com relação a esse e outros casos e é econômica ao dar informações, assim como várias prefeituras que fazem parte da APA, como mostrou a reportagem. Não se sabe sequer se a Cetesb mantém uma equipe específica para fiscalizar a APA, nem com que periodicidade esse trabalho é feito, se é que é feito. Mesmo sem cumprir o TAC nem pagar as multas ambientais, a empresa que pretende implantar o loteamento naquela área e é responsável pelo desmatamento criminoso já apresentou por três vezes pedido de regularização da área junto à Cetesb. Ao menos por enquanto, seus pedidos têm sido negados.