R$ 6,5 trilhões em despesas

Por Cruzeiro do Sul

A aprovação ontem do Projeto de Lei Orçamentária de 2026 pelo Congresso Nacional acabou por expor, mais uma vez, as contradições profundas da política fiscal brasileira e a dificuldade crônica do Estado em conciliar responsabilidade financeira, prioridades sociais e previsibilidade econômica. O número que salta aos olhos — despesas totais de R$ 6,5 trilhões — não é apenas expressivo; ele simboliza um orçamento cada vez mais engessado, pressionado por compromissos passados e capturado por interesses políticos imediatos.

O discurso oficial tenta sustentar uma meta de superávit de R$ 34,2 bilhões, tratada quase como um sinal de virtude fiscal. Na prática, trata-se de uma meta frágil, que será considerada cumprida mesmo se o resultado for zero. É uma flexibilidade que revela mais acomodação política do que rigor técnico, sobretudo em um cenário de desaceleração econômica e de arrecadação incerta. O governo insiste em vender estabilidade, mas constrói o orçamento sobre bases que pouco dialogam com a realidade.

Talvez o dado mais revelador do desequilíbrio estrutural esteja no fato de que 28% do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social — cerca de R$ 1,82 trilhão — serão destinados exclusivamente ao pagamento de juros da dívida pública. Não se trata de investimento, nem de políticas públicas, mas do custo permanente de um Estado que gasta mais do que consegue sustentar. O refinanciamento contínuo da dívida, por meio da emissão de novos títulos, empurra o problema para frente e transfere às próximas gerações a conta de escolhas feitas no presente.

Enquanto isso, o espaço para decisões efetivamente discricionárias é cada vez menor. O limite de gastos de R$ 2,4 trilhões para ministérios e demais poderes constituídos convive com um orçamento rigidamente comprometido, onde sobra pouco para inovação, planejamento de longo prazo ou enfrentamento de crises. O Estado brasileiro segue funcionando no modo automático, pagando contas antigas, mantendo estruturas ineficientes e preservando privilégios.

Nesse contexto, o valor do salário mínimo para 2026 — fixado em R$ 1.621, inclusive abaixo da estimativa inicial do próprio governo — reforça a sensação de que o ajuste, quando ocorre, recai sobre quem tem menos margem de defesa. Ao mesmo tempo, o Fundo Eleitoral aparece novamente como prioridade, com cerca de R$ 5 bilhões reservados, independentemente do aperto fiscal ou das necessidades mais urgentes da população. Afinal, 2026 é ano eleitoral e os partidos precisam de dinheiro para buscar a eleição de seus escolhidos. E, ao que parece, isso é o mais importante. A mensagem é clara: a política continua blindada, mesmo quando o discurso é de austeridade.

Outro capítulo sensível é o das emendas parlamentares, que somam cerca de R$ 61 bilhões. A consolidação das emendas impositivas como parcela dominante do orçamento reduz ainda mais a capacidade de planejamento do Executivo e fragmenta a política pública em interesses localizados, muitas vezes desconectados de critérios técnicos. O orçamento deixa de ser um instrumento estratégico do Estado para se tornar uma moeda de negociação permanente entre os poderes.

A inclusão, na mesma sessão, de dezenas de projetos para abertura de créditos adicionais no Orçamento de 2025 reforça a lógica da improvisação. Em vez de previsibilidade, o que se vê é a normalização de ajustes constantes, fundos criados às pressas e suplementações que evidenciam falhas no planejamento original. A exceção virou regra e tende-se a repetir no ano que vem.

O Orçamento de 2026, tal como apresentado, não é apenas um retrato contábil; é um espelho político. Ele mostra um governo pressionado por compromissos financeiros, dependente de receitas futuras incertas e cada vez mais condicionado por interesses parlamentares. Mais do que discutir números, o debate que se impõe é sobre o modelo de Estado que o Brasil

insiste em sustentar: grande, caro, pouco eficiente e incapaz de oferecer à sociedade a contrapartida esperada em serviços, crescimento e segurança econômica.

Sem uma revisão profunda das prioridades, o orçamento continuará sendo um exercício de sobrevivência política, e não um projeto de futuro.