O que o Brasil pode saber?

Por Cruzeiro do Sul

A transparência é um princípio inegociável da administração pública e um dos alicerces da democracia. Não se trata de retórica, tampouco de compromisso opcional, mas de dever constitucional. Quando um governo passa a filtrar informações, hierarquizando dados convenientes e minimizando aqueles que expõem fragilidades, o que se estabelece não é transparência e sim uma comunicação seletiva a serviço de interesses políticos.

No Brasil recente, a divulgação de dados econômicos e fiscais tem seguido um roteiro previsível. Indicadores positivos, ainda que pontuais ou conjunturais, são amplificados com entusiasmo. Já informações sensíveis — como o avanço da dívida pública, o estreitamento do espaço fiscal, a rigidez crescente do orçamento e os alertas oficiais sobre a falta de recursos nos próximos anos — surgem de forma dispersa, técnica, quase envergonhada, quando não são simplesmente empurradas para segundo plano.

Essa prática compromete o debate público. A sociedade é induzida a formar uma percepção incompleta da realidade econômica, como se os desafios estruturais do País fossem ruídos passageiros, e não problemas centrais que exigem enfrentamento imediato. Ao escolher quais dados ganham luz e quais permanecem na penumbra, o governo reduz a capacidade crítica da população e empobrece a democracia.

Desde a campanha eleitoral, a promessa de Lula foi: romper com a cultura do sigilo excessivo, restabelecer a plena aplicação da Lei de Acesso à Informação e devolver à sociedade o direito de saber como o Estado funciona. Passados quase três anos de mandato, no entanto, a prática revela uma realidade bem menos alinhada ao discurso.

Novos episódios demonstram que o uso do chamado “sigilo de 100 anos” não apenas continuou, como passou a ser aplicado em temas sensíveis da atual administração. Centenas de pedidos de informação foram negados sob o argumento de proteção de dados pessoais, inclusive em situações que envolvem autoridades públicas, agendas oficiais e decisões administrativas que deveriam estar sujeitas ao mais amplo escrutínio.

Entre os casos mais emblemáticos está a imposição de sigilo sobre listas de visitantes e compromissos ligados à primeira-dama Janja, bem como documentos internos que tratam de possíveis conflitos de interesse de ministros de Estado. Também permanecem protegidas informações detalhadas sobre despesas, viagens e atividades de agentes públicos. O resultado é uma zona cinzenta que dificulta o controle social e enfraquece o princípio da publicidade.

É importante destacar que a Lei de Acesso à Informação não foi criada para blindar autoridades, mas para proteger a intimidade do cidadão comum. Quando o governo estende esse dispositivo a agentes públicos no exercício de suas funções, distorce o espírito da lei e transforma uma garantia legal em instrumento de conveniência política. Transparência parcial não é transparência; é seleção estratégica daquilo que pode ser revelado sem desgaste.

Esse comportamento ganha contornos ainda mais preocupantes quando confrontado com o discurso oficial. O mesmo governo que critica o sigilo como herança autoritária, recorre a ele quando os dados expõem contradições internas, fragilidades administrativas ou potenciais conflitos. Não se trata de ilegalidade formal, mas de incoerência política e institucional.

A manutenção e a criação de sigilos alimentam a desconfiança da sociedade, além de comprometer a credibilidade internacional do País em temas ligados à governança e à integridade pública. Democracias maduras não temem a luz. Governos seguros de seus atos não precisam esconder informações relevantes por décadas.

O direito à informação não pode ser condicionado à conveniência do governante. Quando o Estado escolhe o que o cidadão pode ou não saber, a democracia perde densidade e o poder público se afasta de sua função primordial: servir à sociedade, e não proteger a si mesmo.

Se o compromisso com a transparência é genuíno, ele precisa se manifestar não apenas em discursos, mas na disposição real de abrir dados, explicar decisões e aceitar o escrutínio público _ inclusive quando isso gera desconforto político. Tudo o mais é retórica vazia travestida de virtude.