A paralisia decisória em Brasília

Por Cruzeiro do Sul

 

Há algo de profundamente estranho quando um país do porte do Brasil encerra o ano legislativo dando a impressão de que, apesar do excesso de debates, nada de fato se decide em favor da população. Brasília vive um ciclo crescente de paralisia decisória, alimentado por disputas que pouco têm a ver com o interesse público e muito com a lógica de sobrevivência política que domina a Praça dos Três Poderes. O fenômeno não é novo, mas atingiu em 2025 um grau de normalização preocupante.

O Executivo, fragilizado por uma base que apoia quando convém e ameaça quando precisa elevar seu preço, tornou-se refém de negociações que mudam de direção a cada semana. Projetos estratégicos travam porque a relação com o Congresso se deteriorou ao ponto de qualquer votação depender de uma rodada adicional de barganhas. A oposição, que deveria oferecer alternativas, prefere contribuir para o caos calculado, acreditando que a paralisia do governo rende dividendos eleitorais para 2026. No fim, vence a inação e perde o País.

O Legislativo, por sua vez, transformou-se em um campo de batalha interna. Lideranças trocam acusações, disputam protagonismo e medem forças em votações simbólicas, enquanto pautas estruturais ficam à deriva. A economia pede previsibilidade; as famílias pedem políticas claras; os Estados pedem coordenação. Em vez disso, encontram um Congresso preocupado em administrar crises que ele próprio fabrica, além daquelas que vem do Executivo. Não é a falta de projetos que trava Brasília, mas a incapacidade de decidir sem medir cada consequência pelo impacto eleitoral.

Essa paralisia não é apenas fruto de disputas ideológicas. Ela revela um problema mais profundo: a transformação da política em um mercado de vetos. Nunca tantos atores tiveram tanto poder para impedir e tão pouca disposição para construir. Lideranças partidárias, caciques regionais e grupos de pressão corporativa descobriram que bloquear decisões vale mais do que formular propostas. E assim, o País vive sob um regime informal em que todos podem frear tudo, mas poucos conseguem fazer algo avançar.

A ausência de decisões abre espaço para que o Judiciário intervenha quando o vácuo se prolonga demais, reforçando a sensação de que cada Poder avança sobre o outro, não por ambição, mas por necessidade. A judicialização da política, tão criticada, tornou-se consequência natural da omissão política. O equilíbrio entre os Poderes nunca esteve tão formalmente intacto e tão disfuncional na prática. Quando o Supremo se vê compelido a arbitrar questões que deveriam ser resolvidas pela política, é sinal claro de degradação institucional.

O custo dessa estagnação é alto e crescente. Ele se traduz na fuga de investimentos, na hesitação de empresas em expandir projetos, na incapacidade de o Estado oferecer sinais mínimos de planejamento. A própria sociedade começa a dar sinais de exaustão: cidadãos desiludidos com a disputa permanente, incapazes de enxergar um horizonte de estabilidade. A paralisia também mina a credibilidade internacional do Brasil, que oscila entre discursos ambiciosos e uma realidade interna de engessamento crônico.

Em áreas sensíveis, como saúde pública, segurança e educação, a falta de decisões se converte em atraso acumulado. Programas que deveriam ser implementados este ano são postergados para o próximo; políticas que exigem continuidade são interrompidas por caprichos conjunturais; reformas urgentes continuam na gaveta. A máquina pública, já lenta, torna-se refém de idas e vindas que frustram servidores, especialistas e a população, que só sente o peso do retrocesso quando o problema se torna irreversível.

Se 2026 promete ser um ano eleitoral intenso, 2025 deveria ser o ano da responsabilidade. Decidir exige coragem, e coragem é o que Brasília mais deve ao País neste momento. O Brasil não precisa de mais discursos inflamados ou diagnósticos repetidos; precisa de decisões concretas, assumidas com maturidade e compromisso. Sem isso, continuaremos avançando apenas na retórica, retrocedendo na prática e desperdiçando, mais uma vez, o tempo que já não temos.

A essa altura, é necessário dizer com franqueza: a paralisia decisória não é um acidente, mas uma péssima escolha política. O Brasil não pode ser refém da inércia de seus líderes. A sociedade exige ação, transparência e responsabilidade.