Muito além do simples veto
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o projeto de lei (PL) aprovado pelo Congresso Nacional que alterava o Estatuto da Pessoa com Deficiência para tornar obrigatória a distribuição, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), do cordão de fita com desenhos de girassóis para a identificação de pessoas com deficiências ocultas. A decisão de Lula revela a dificuldade crônica do Estado brasileiro em lidar com políticas de inclusão de forma madura, previsível e responsável, contrariando o interesse público.
A iniciativa nasceu de uma demanda legítima: facilitar a identificação de pessoas com condições invisíveis, como autismo, TDAH, epilepsia e transtornos ansiosos. Trata-se de uma demanda crescente em sociedades que começam, enfim, a compreender que nem toda deficiência é perceptível a olho nu. O cordão com girassóis tem impacto concreto na vida de quem enfrenta ambientes hostis, como filas, aeroportos, repartições públicas, sem que sua condição seja compreendida.
Mas, ao chegar ao Palácio do Planalto, a iniciativa naufragou no realismo fiscal. O governo alegou que a obrigatoriedade criaria despesa continuada sem indicar fonte de custeio nem estimativa de impacto. A justificativa, em si, cumpre o rito técnico e se escora na legislação vigente. O problema é quando o argumento contábil se torna uma espécie de biombo para esconder uma omissão política mais profunda: a ausência de uma estratégia nacional consistente para acolher e facilitar a vida de pessoas com deficiências invisíveis.
É evidente que políticas públicas não podem nascer sem cálculo financeiro, mas a insistência do governo em tratar propostas de inclusão como “gastos imprevistos” reforça a impressão de que o tema ainda ocupa um lugar periférico no planejamento federal. Ao vetar a obrigatoriedade, o Planalto sinaliza preocupação com a responsabilidade fiscal, mas deixa desassistido justamente o público que o Estado mais deveria amparar. A conta, como sempre, fecha à custa dos mais vulneráveis.
O Senado e a Câmara também não escapam de responsabilidade. A tramitação célere do projeto nas comissões, apesar do mérito social, ignorou a previsível resistência da equipe econômica e não se preocupou em ajustar o texto a exigências orçamentárias básicas. A incapacidade do Congresso de formular propostas tecnicamente robustas — e a falta de disposição do Executivo para aperfeiçoá-las em vez de simplesmente barrá-las — produz um ciclo viciado: boas ideias morrem no altar do formalismo fiscal, enquanto a população segue sem respostas.
O Brasil precisa decidir se continuará tratando políticas de inclusão como despesas supérfluas ou se finalmente será capaz de integrá-las ao seu planejamento de Estado. A identificação de deficiências ocultas é apenas um dos muitos desafios ignorados pela máquina pública. E se o atual governo não for capaz de avançar nem nesse ponto aparentemente simples, dificilmente estará preparado para enfrentar as complexas demandas de uma sociedade diversa, desigual e cada vez mais consciente de seus direitos.