Estatuto dos Direitos do Paciente

Por Cruzeiro do Sul

 

A aprovação do Estatuto dos Direitos do Paciente na Comissão de Direitos Humanos do Senado marca um raro momento de consenso em um país habituado a transformar até o óbvio em disputa política. O texto que recebeu regime de urgência na tramitação e foi encaminhado ao Plenário para apreciação dos senadores, busca estabelecer garantias mínimas de respeito, transparência e autonomia para quem enfrenta o sistema de saúde, seja ele público ou privado, ou seja, estabelece um marco legal nacional com os direitos e responsabilidades dos pacientes na relação com serviços de saúde.

E se há algo que une todos os brasileiros, independentemente de ideologia, é a angustiante experiência de depender de um atendimento que, muitas vezes, falha justamente quando mais precisamos.

A iniciativa é bem-vinda porque traduz em lei princípios que já deveriam ser prática cotidiana.

O capítulo que trata dos direitos dos pacientes é o núcleo central da proposta. O paciente tem direito à informação clara sobre seu diagnóstico, às alternativas de tratamento, à recusa terapêutica, ao consentimento informado, à privacidade e ao acolhimento digno. Nada disso é novidade. O que surpreende, na verdade, é que tenha sido necessário criar um Estatuto para definir obrigações elementares, como se o respeito fosse um benefício extraordinário e não um pressuposto ético da medicina moderna.

Mas o debate não deve se encerrar na formalidade da lei. É preciso ir além da celebração protocolar. O Estatuto nasce com uma pergunta incômoda: há estrutura para garantir sua aplicação? O Sistema Único de Saúde (SUS), embora um patrimônio nacional, sofre com filas crônicas, falta de profissionais, leitos insuficientes e precarização da atenção básica. No setor privado, a judicialização crescente demonstra que operadoras nem sempre privilegiam o paciente, mas sim seus próprios índices de rentabilidade. De pouco adiantará ampliar direitos no papel se o Brasil não enfrentar a realidade de que a saúde brasileira opera frequentemente no limite, obrigada a escolher entre prioridades urgentes demais para comportar promessas grandiosas.

Outro ponto que merece atenção é a clareza sobre os limites da autonomia do paciente. Uma legislação que assegura o direito de recusa a tratamentos deve também preservar a responsabilidade médica, evitando que pressões externas ou desinformação comprometam decisões clínicas. O País ainda lida com ecos da pandemia, em que movimentos anticientíficos corroeram a relação médico-paciente. É fundamental que o Estatuto não se transforme em brecha para disputas ideológicas travestidas de liberdade terapêutica.

A proposta promove um atendimento em saúde mais humano, transparente e democrático, centrado na dignidade, na autonomia e na participação ativa do paciente nas decisões sobre seu próprio cuidado. O Estatuto também contribui para consolidar uma cultura de corresponsabilidade entre profissionais, instituições, pacientes e familiares

O Plenário do Senado terá, agora, a oportunidade de aperfeiçoar o texto e corrigir lacunas que possam comprometer a efetividade da nova legislação. Será essencial garantir mecanismos de fiscalização, protocolos claros e integração com conselhos profissionais e órgãos de controle. Direitos sem instrumentos de implementação estão condenados a virar mais um capítulo de boas intenções arquivadas.

Para garantir que a norma seja respeitada, o projeto estabelece mecanismos de controle e acompanhamento pelo Estado. Entre eles estão a divulgação periódica dos direitos e deveres dos pacientes, a realização de pesquisas de avaliação do atendimento, a elaboração de relatórios anuais sobre a implantação das normas e o acolhimento formal de reclamações. O texto reforça ainda que qualquer violação aos direitos previstos será considerada ofensa aos direitos humanos, nos termos da Lei 12.986, de 2014.

A saúde brasileira precisa, sim, de uma carta de direitos do paciente. Mas precisa, sobretudo, de um pacto político que leve esses direitos para além das comissões e discursos. O Estatuto é um passo importante, talvez tardio, certamente necessário, mas só fará diferença se for acompanhado da coragem de enfrentar o diagnóstico que todos conhecemos: sem investimento contínuo, gestão eficiente e compromisso com a ciência, nenhum regramento será capaz de devolver dignidade ao cidadão no momento mais vulnerável de sua vida.