Novidades nas prisões preventivas e temporárias
O Congresso Nacional praticamente encerra o ano legislativo com duas mudanças relevantes no sistema de justiça criminal: a atualização das regras da prisão preventiva, já sancionada e incorporada ao Código de Processo Penal, e que define critérios para a aferição da periculosidade do acusado para a concessão da prisão preventiva e para a coleta de material biológico, para obtenção e armazenamento do perfil genético do custodiado, e a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de um projeto que redefine os critérios e aumenta de 5 para 15 dias o tempo da prisão temporária e, ainda, prevê mais um caso de aplicação da prisão em flagrante: O texto muda o prazo para concluir o inquérito se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou preventivamente. O prazo atual de 10 dias passa para 15 dias. A proposta será enviada ao Senado.
Embora tratem de instrumentos distintos, ambas as medidas apontam para um mesmo dilema: como conciliar o combate ao crime com a preservação das garantias fundamentais que sustentam o Estado de Direito.
A nova lei da prisão preventiva tenta responder a um problema antigo: o uso excessivo e, muitas vezes, pouco fundamentado dessa modalidade de encarceramento. Ao estabelecer critérios mais objetivos, como a necessidade de demonstração concreta do risco à investigação, à ordem pública ou à aplicação da lei penal, o texto endurece a exigência de fundamentação judicial. Na prática, o País tenta fechar a porta para decisões genéricas, baseadas em suposições abstratas, que ao longo de décadas colocaram milhares de pessoas atrás das grades antes de qualquer sentença. Trata-se de um movimento civilizatório, ainda que tardio, que busca devolver à prisão preventiva seu caráter excepcional, não a regra do processo penal.
Mas a lei também impõe novos deveres ao Estado: se o juiz deve justificar melhor por que prende, o poder público precisa justificar melhor por que não consegue investigar com eficiência sem recorrer ao cárcere antecipado. O debate, portanto, não se limita aos tribunais; expõe a fragilidade estrutural das polícias e do sistema de investigação, que continuam dependentes da segregação cautelar como muleta institucional.
Já o projeto que reformula a prisão temporária, aprovado pela Câmara, mexe em terreno igualmente sensível. Criada nos anos 1990 como ferramenta para investigações específicas, ela se transformou, com o tempo, em instrumento de pressão psicológica e motor de espetacularização policial. A proposta recém-aprovada procura corrigir excessos: restringe hipóteses de aplicação, reforça a necessidade de vínculo direto entre o investigado e o fato criminoso e exige maior controle judicial. O espírito da mudança é claro: devolver à prisão temporária o caráter estritamente utilitário, evitando que se transforme em punição antecipada ou atalho para confissões.
Há, contudo, um elemento político que merece reflexão. Ao reordenar simultaneamente preventivas e temporárias, o Legislativo parece reconhecer que o sistema penal brasileiro se apoiou por tempo demais na privação provisória de liberdade como resposta rápida à insegurança. Essa dependência não apenas erodiu direitos, mas também mascarou a incapacidade do Estado de modernizar investigações, fortalecer perícias e acelerar a tramitação dos processos.
O País, no fundo, é convidado a decidir se continuará a tolerar um modelo que prende cedo e julga tarde ou se caminhará, enfim, para uma justiça que privilegia eficiência e proporcionalidade. As duas medidas aprovadas sinalizam uma direção mais racional e menos impulsiva. Mas nenhuma lei, por mais bem desenhada, será capaz de conter abusos se não houver compromisso institucional com sua aplicação.
A questão agora migra para o Senado, no caso da prisão temporária, e para a prática cotidiana dos tribunais, no caso da prisão preventiva. Resta saber se o Brasil aproveitará o momento para reconfigurar sua cultura punitiva ou se repetirá o padrão histórico de boas normas frustradas por velhos hábitos. A resposta determinará não apenas a eficácia da política criminal, mas o próprio alcance das liberdades civis em um país que ainda parece indeciso entre o rigor e a justiça.