Crime organizado não perde tempo

Por Cruzeiro do Sul

 

A reunião da CPI do Crime Organizado desta terça-feira no Senado concentrou o debate em um ponto central: o crime não avança apenas por força própria, mas porque encontra brechas, ausência de fiscalização e fragilidade estrutural do Estado.

Essa leitura, compartilhada por integrantes da comissão e pelo promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya, deve orientar o esforço do colegiado em mapear lacunas do sistema prisional, infiltrações financeiras e disputas institucionais que dificultam o combate às facções.

O crime organizado se tornou um problema de Estado, com capacidade de corromper políticas públicas e capturar instituições. O objetivo central da CPI, agora, é propor reformas que enfrentem essa vulnerabilidade estrutural.

À Comissão, o promotor Lincoln Gakiya apresentou uma síntese da evolução do Primeiro Comando da Capital (PCC) nas últimas duas décadas. Ele destacou que o grupo surgiu no sistema prisional paulista e se expandiu nacional e internacionalmente a partir de falhas acumuladas na segurança pública e na gestão prisional.

“Nenhuma organização criminosa cresce sem ausência do Estado. Décadas de abandono permitiram ao PCC atingir um estágio mafioso, com atuação em todos os Estados e em 28 países. A facção desenvolveu uma estrutura sofisticada de lavagem de dinheiro, com infiltração em sistema financeiro, empresas e fintechs, que funcionavam como bancos sem fiscalização adequada, e isso permitiu a criação de zonas de opacidade aproveitadas pelo crime”, disse Lincoln Gakiya.

O promotor descreveu a necessidade de reforço institucional e de cooperação contínua entre os órgãos de segurança e defendeu a criação da Autoridade Nacional Antimáfia, com o objetivo de coordenar ações articuladas entre polícias, ministérios públicos, Receita Federal e órgãos de controle no combate às grandes facções criminosas, inspirada em modelos adotados na Itália.

“O país tem instrumentos legais para agir, mas falta coordenação. Operações eficazes ainda dependem da iniciativa individual de agentes e não de uma política integrada”, enfatizou Lincoln Gakiya ao pedir o endurecimento das penas para organizações de grande porte e maior rigor no cumprimento da pena, com a observação de que o sistema progressivo brasileiro facilita a rápida passagem para regimes mais brandos.

Há uma evidente falta de vontade política, de coordenação e de estrutura para enfrentar o crime organizado e isso sobrepõe eventuais falhas na legislação. O promotor sabe muito bem sobre as dificuldades para enfrentar o crime organizado.

Um dos principais agentes públicos no combate ao PCC, Lincoln Gakiya está na mira da facção há pelo menos 20 anos. “Jurado de morte”, vive há dez anos sob escolta policial 24 horas. O promotor integra o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo e foi um dos responsáveis por transferir a alta cúpula do PCC para presídios de segurança máxima, entre eles Marco Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola e apontado como chefe do PCC.

A verdade é que o País tem, neste momento, a oportunidade de avançar de forma decisiva nesta importante questão. Além da CPI do Crime Organizado no Senado, a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 18 de novembro, o Projeto de Lei Antifacção, relatado por Guilherme Derrite. O texto seguiu para a apreciação dos senadores.

A conjunção de dois movimentos políticos recentes — o avanço da CPI do Crime Organizado e a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei antifacção — oferece ao País uma rara oportunidade de reorganizar estruturalmente sua estratégia de enfrentamento ao crime organizado. Pelo menos, a opinião pública espera por isso. Mas a mesma conjuntura também revela o descompasso entre diagnósticos precisos e a lentidão crônica do Estado brasileiro para transformar evidências em políticas públicas efetivas.

O Brasil já perdeu outras oportunidades históricas por transformar CPIs em palanques e boas leis em instrumentos inócuos por falta de implementação. Se o Parlamento, governo federal e Estados não se moverem na mesma direção, o resultado será apenas mais um conjunto de boas intenções sobre o papel. O crime organizado, ao contrário do Estado, não opera em ciclos eleitorais, não depende de consensos e não perde tempo.