O debate em torno do Projeto de Lei Antifacção
O debate em torno do Projeto de Lei Antifacção, que tramita no Congresso Nacional, virou mais uma arena de disputa política do que uma construção coletiva de política pública. De um lado, o governo federal tenta preservar o texto original que enviou ao Parlamento. De outro, o relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP) — secretário licenciado de Segurança Pública do Estado de São Paulo —, busca adaptar o projeto às complexas realidades da segurança pública no País, onde a União, os Estados e as forças policiais convivem entre sobreposição de atribuições e carência de coordenação. No meio disso tudo, o que a sociedade pede é simples: resultado prático e eficaz em nome da segurança pública.
Derrite, que conhece de dentro a rotina das forças policiais, fez o que um relator deveria fazer: ajustar a letra fria do projeto de lei à dinâmica concreta das ruas. Seu substitutivo tenta corrigir distorções que poderiam gerar conflitos de competência entre União e Estados no combate às facções criminosas, especialmente em operações conjuntas. Numa federação desigual e marcada por fronteiras criminosas fluidas — de onde o Comando Vermelho, no Rio, e o PCC, em São Paulo, exercem influência nacional e até internacional, principalmente nas fronteiras (de onde saem as drogas e armamentos que abastecem o crime organizado — a eficiência depende tanto da integração quanto do respeito às jurisdições locais.
É preciso lembrar que o País não sofre apenas com o poder das facções, mas também com o desalinhamento das forças públicas, em que cada esfera atua com planos próprios e comunicação deficiente. Nesse contexto, a tentativa do relator Guilherme Derrite de garantir que governadores sejam informados e participem das decisões é um importante e decisivo passo em direção à coordenação, condição indispensável para que a repressão seja inteligente, planejada e duradoura.
Há quem diga que as mudanças “enfraquecem” o papel da Polícia Federal. A crítica, embora ruidosa, ignora que nenhum combate eficaz ao crime organizado se sustenta sem articulação federativa. O projeto, ao propor cooperação e delimitação clara de competências, tenta evitar o que historicamente ocorreu: operações fragmentadas, sobreposição de esforços e disputas institucionais que beneficiam apenas as facções.
O desafio, afinal, não é escolher entre repressão ou integração, mas combinar ambas com racionalidade. O relator Derrite entende que o País precisa de uma lei aplicável, operacionalmente exequível, e não de um símbolo político. Em vez de enxergar sua proposta como obstáculo, o governo deveria encará-la como aprimoramento. As polícias, civis e federais, só terão êxito se houver sinergia e clareza de papéis.
O crime organizado não espera consensos. Ele age, ocupa espaços e avança onde o Estado hesita. O Congresso, portanto, deve encerrar a disputa retórica e entregar ao País um texto que funcione no campo prático, que permita ao agente público agir sem insegurança jurídica e que garanta à população o que ela realmente quer: a presença do Estado e o fim do domínio paralelo imposto pelo medo.
Em um Brasil dividido entre paixões políticas, o relator do PL Antifacção acerta ao tentar construir uma lei que seja instrumento de Estado e não de governo. É difícil encontrar, no momento, tema mais urgente para o País do que a sensação de insegurança que ronda milhares de famílias brasileiras.
O projeto em debate é uma oportunidade para afirmar que o Estado brasileiro não tolera que formem “ilhas” de criminalidade em que determinadas organizações exerçam poder paralelo. É a chance de dizer ao cidadão: sim, o Estado vai atuar, vai reagir, vai proteger. Mas também: vai estar presente nas escolas, nas ruas, nas comunidades e vai impedir que o vácuo de poder seja tomado por quem o preencha com medo, domínio e violência.
Os próximos dias de tramitação do Projeto de Lei Antifacção são, portanto, decisivos. Mais decisiva ainda será a forma como esse projeto será seguido por políticas públicas e, sobretudo, pela presença real do Estado nas periferias, nas favelas, nos bairros abandonados pelo poder público.
Em meio a tudo isso, existe mais uma questão de retórica. Aquela que trata o crime organizado como terrroristas. O governo Lula repulsa essa classificação, pois teme judicialização e abuso do tipo penal. Mas, uma das definições para terroristas é aquela que ser refere a indivíduos ou grupos que usam a violência com motivações específicas. Portanto, a oposição vê oportunidade de dar resposta forte à sociedade; e o cidadão, no meio, só quer que o Estado volte a ocupar os espaços que perdeu. Enquanto Brasília discute definições, o tráfico define territórios.