Juros do cartão a 449,9% ao ano

Por Cruzeiro do Sul

Os juros médios cobrados em maio pelas empresas de cartão de crédito rotativo estão mais altos no Brasil, enquanto os do cheque especial e do crédito consignado caíram. É o que informam as Estatísticas Monetárias e de Crédito, divulgadas ontem (27) pelo Banco Central.

De acordo com o BC, em maio, os juros médios dos cartões de crédito rotativo chegaram a 449,9% ao ano, o que representa alta de 5,7 pontos percentuais (p.p.), na comparação com o mês anterior (444,2%).

A cobrança do rotativo é feita quando o valor total da fatura não é pago até a data de vencimento do cartão de crédito, levando o cliente a ter de parcelar o que é devido.

Já os juros médios cobrados pelo cheque especial ficaram em 134,7% ao ano. Em abril, a taxa estava 2,7 p.p. abaixo da observada em maio (137,4%).

Outra modalidade de crédito que tem sido muito usada pelos brasileiros é a do consignado. Segundo o Banco Central, no mês de maio houve queda de 0,4 p.p. na modalidade, na comparação com o mês anterior, ficando em 26,5% (consignado total).

No caso do consignado cobrado em maio na folha de servidores públicos (mais barato em função das garantias dadas pela estabilidade no emprego), os juros cobrados ficaram em 24,8% ao ano. Para o consignado dos trabalhadores do setor privado, o percentual sobe para 55,6% ao ano.

Nos consignados adquiridos por beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o juro cobrado estava em 24,3%, também tendo maio como mês de referência.

No Brasil, utilizar o cartão de crédito pode ser uma armadilha perigosa. Apesar de parecer uma solução prática para o cotidiano, ele esconde uma das taxas de juros mais abusivas do planeta.

Em maio, considerando uma dívida de R$ 1.000 não quitada em tempo, ela poderia se transformar, facilmente, em um pesadelo impagável e “legalizado”.

Diante desses números descomunais, ficam algumas perguntas: por que ainda aceitamos a normalização do abuso financeiro disfarçado de conveniência? Até quando o sistema financeiro brasileiro continuará lucrando em cima do desespero da população?

O rotativo do cartão de crédito, modalidade acionada quando o consumidor não paga o valor integral da fatura, deveria ser uma exceção. No entanto, tornou-se uma armadilha rotineira para milhões de brasileiros. O que deveria ser um recurso emergencial é tratado pelos bancos como uma fonte permanente de lucro, com taxas que desafiam qualquer lógica econômica ou moral.

A justificativa costuma girar em torno do “risco elevado de inadimplência”. Mas esse discurso não se sustenta diante dos lucros bilionários dos bancos, mesmo em anos de crise. Em vez de soluções estruturais, como educação financeira em larga escala ou limites reais para os juros, o consumidor segue sendo responsabilizado individualmente por um sistema desequilibrado.

Em outubro de 2023, o Conselho Monetário Nacional (CMN) até aprovou um teto para os juros do rotativo, limitando-os a 100% ao ano. Ainda assim, essa mudança, embora positiva, está longe de resolver o problema. Na prática, a população mais pobre — a que mais depende do crédito — continua pagando caro pelo que deveria ser um serviço de apoio, não de exploração.

O que está em jogo não é apenas a saúde financeira do cidadão, mas a ética do sistema econômico. Em um País onde a desigualdade é gritante, permitir que bancos cobrem juros quatro, cinco vezes maiores que a média global é uma violência silenciosa, naturalizada pela inércia política e pela força do lobby bancário.

É preciso cobrar uma regulação mais firme, exigir transparência e discutir abertamente o papel dos bancos no aprofundamento da desigualdade. A conveniência do cartão de crédito não pode continuar sendo usada como cortina de fumaça para práticas abusivas.

O problema é que falta vontade política para frear verdadeiramente a inflação, cortar gastos públicos e ajustar contas. Parece até que ninguém com poder de decisão está preocupado com a questão. Se há alguém que espera urgência no enfrentamento ao abuso das taxas bancárias, é o endividado. O brasileiro merece um sistema de crédito justo, acessível e que respeite sua dignidade.