O dilema dos nem-nem

Na população de 15 a 29 anos, a fatia de brasileiras que não trabalham nem estudam alcançou 29,2% -- bem acima dos 16,95% dos homens

Por Cruzeiro do Sul

IBGE: renda média de trabalhador branco é 75,7% maior que de pretos

Vários países do mundo estão em busca de mão de obra qualificada para preencher milhares de vagas disponíveis no mercado. As áreas de saúde, de tecnologia e de engenharia são as que mais tem procura. Há interesse também em funções técnicas, principalmente no campo da construção civil. O envelhecimento de algumas populações, sem que a taxa de natalidade acompanhe o mesmo ritmo, tem provocado “gaps” imensos entre a oferta e a procura de trabalhadores. Nações como Alemanha e Canadá estão entre as que mais buscam profissionais habilitados.

O Brasil também carece de trabalhadores em diversas áreas. Só na engenharia, o déficit seria de mais de 75 mil profissionais. Um levantamento feito pelo Google, concluído em maio deste ano, aponta que o País precisa com urgência de cerca de 530 mil profissionais de tecnologia da informação. O estudo, produzido em parceria com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), aponta que, anualmente, se formam 53 mil profissionais nessa área, mas a demanda por novos talentos, até o ano de 2035, chegará a 800 mil.

Esses dados, que parecem fantásticos para quem está se formando ou prestes a ingressar na faculdade, mostram, na realidade, um desequilíbrio imenso entre o que a juventude espera do futuro e o que o mundo tem a oferecer.

Uma pesquisa feita pela FGV Social mostra que o Brasil tem 11,5 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não trabalham nem estudam -- isso significa que estamos desperdiçando uma população semelhante à de Portugal. Esse grupo, batizado de nem-nem, cresceu de forma exponencial nas últimas décadas até atingir o auge na pandemia, de cerca de 30% da faixa etária. Esse número caiu para 23% da população no primeiro trimestre deste ano, mesmo assim, a proporção de jovens nessa condição está acima da média internacional. Na população de 15 a 29 anos, a fatia de brasileiras que não trabalham nem estudam alcançou 29,2% -- bem acima dos 16,95% dos homens.

No ano passado, o relatório Education at a Glance 2022, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que o Brasil tinha o segundo maior porcentual de jovens entre 18 e 24 anos que não trabalhavam nem estudavam. E a situação tende a pior já que a evasão escolar permanece imensa. Para se ter uma ideia, temos atualmente 47 milhões de alunos no ensino fundamental e apenas 8,5 milhões no médio. Isso mostra o desinteresse e a falta de estímulo de nossos estudantes em permanecer na escola. No ano passado, um estudo feito pela Firjan/Sesi mostrou que 500 mil jovens acima dos 16 anos largam os estudos anualmente.

A maioria desses jovens que abandona o estudo acaba encontrando poucas oportunidades no mercado de trabalho. Sem qualificação técnica e sem dominar a língua portuguesa e operações simples de matemática, o destino deles é o limbo dos programas sociais ou o subemprego.

Reverter essa situação não é uma missão fácil, possível de se realizar do dia para a noite. Exige uma reformulação total no nosso sistema educacional, fazendo com que os jovens se sintam atraídos e recompensados por aprender mais. Alguns programas governamentais para atrair jovens aprendizes têm surgido nos últimos meses tanto no âmbito de Sorocaba como no do Estado de São Paulo, mas é pouco diante do problema que vivemos. Apenas 7 em cada 10 brasileiros conseguem completar o ensino médio até os 19 anos, um índice muito baixo, que deixa o Brasil atrás de países latino-americanos como a Costa Rica, a Colômbia e o Chile.

O problema brasileiro nem está na falta de recursos financeiros já que boa parte do orçamento das esferas federal, estadual e municipal é obrigatoriamente revertido para essa área. O que falta mesmo é planejamento e capacidade de transformar o que é investido em profissionais de qualidade, prontos para acessar as vagas oferecidas tanto pelo mercado daqui como pelo de fora.

Temos a urgente missão de preparar as futuras gerações oferecendo um ensino de qualidade baseado nas necessidades das empresas. Precisamos, ainda, resgatar os jovens que estão neste momento perdidos, sem rumo, garantir a eles a possibilidade de dar a volta por cima e conquistar uma vida melhor. Se perdermos essa batalha agora, teremos um pesado fardo para carregar por muitos e muitos anos.