Editorial
Quem tem medo do ChatGPT?
Como toda ferramenta ou tecnologia, poderá ser empregada para algo que seja ruim ou bom, dependendo do ponto de vista, é claro, de quem analisa essa ação
O diretor Stanley Kubrick levou para o cinema em 1968 a ficção científica “2001, uma Odisseia no Espaço”. O filme foi escrito por Kubrick e Arthur C. Clarke, baseado no conto “The Sentinel”, do próprio Clarke. Virou um clássico. A tecnologia e a inteligência artificial (IA) ocupam posições centrais na história. O computador Hall comanda as operações em uma nave espacial, e durante a missão a Júpiter, se rebela contra os tripulantes.
Esse dilema, em que a inteligência artificial desafia seres humanos, foi explorada em muitas outras obras de ficção, e parece que agora, com o ChatGPT, chega à realidade atual. O chatbot da OpenAI/Microsoft gera textos a partir de perguntas ou de um pedido de pesquisa, por exemplo -- uma evolução dos buscadores para uma dúvida no trabalho ou nos estudos.
As muitas questões que vêm surgindo sobre seu uso, no entanto, expõem preocupações: se eliminará o emprego de trabalhadores, se poderá servir à prática de crimes (como o estelionato nos meios digitais) e de como lidará com algumas questões cruciais. Poderá mentir ou enganar para conseguir o objetivo programado? Talvez entre aí outro problema, que é a sua utilização. Como toda ferramenta ou tecnologia, poderá ser empregada para algo que seja ruim ou bom, dependendo do ponto de vista, é claro, de quem analisa essa ação.
O ChatGPT, segundo especialistas, não entende o que escreve pois dentro de sistemas de IA, a palavra vira matemática. “O ChatGPT é uma boa ferramenta para gerar textos, mas ele não sabe o significado das palavras. Ele é apenas um papagaio do que aprendeu”, diz Fernando Osório, professor da USP São Carlos, em reportagem do Estadão.
A transformação de palavras em números e vice-versa é a explicação porque o ChatGPT argumenta sobre informações erradas. “Ele apenas está escolhendo palavras num modelo probabilístico. Não há sentimento nem compreensão”, diz Osório.
Analisando assim, parece que não há muito o que se preocupar, mas mesmo nesse pouco tempo desde o lançamento do ChatGPT já se fala no potencial da ferramenta na medicina. Entre suas funções previstas está a de avisar sobre efeitos colaterais de medicamentos, doenças pré-existentes, preenchimento de prontuários e orientações básicas de saúde. Eventuais evoluções de sistemas de IA poderão ainda diagnosticar doenças ou prever resultados de tratamentos.
No mercado de trabalho, talvez uma das maiores preocupações dos efeitos da IA, a perspectiva é que a longo prazo será positiva para a geração de novos empregos, assim como foi a internet ou a eletricidade. Porém, no curto prazo, deve eliminar postos de trabalho.
O economista José Pastore, professor da FEA-USP, em outra reportagem do Estadão, classifica o impacto da IA no mercado de trabalho como a “pergunta de um trilhão de dólares”. “As tecnologias, quando destroem, elas também criam novos empregos. Agora, a destruição é rápida e visível; a criação é lenta e é invisível”, afirmou. “A criação gera benefícios sociais de médio e longo prazo, o que as pessoas já não aceitam com tanta facilidade, porque gostam de coisas mais rápidas”, considera.
Voltando mais uma vez às artes, o cantor e ex-vocalista da banda Genesis, Peter Gabriel, avaliou que o impacto da IA será grande e imprevisível. Ele é dono da empresa Reverberation, um estúdio tecnológico que estuda o poder da música para melhorar e aprimorar aspectos da vida humana.
Peter Gabriel acrescenta que a IA é algo tão importante quanto a revolução industrial e a bomba atômica. “Então, se não começarmos a antecipar o que pode fazer, será tarde demais, porque é tudo muito rápido.”
O ChatGPT foi lançado em novembro de 2022. Nesse pouco tempo, virou principal assunto sobre tecnologia. Levantou curiosidades e dúvidas na cabeça de muitas pessoas. E o concorrente, Bard, do Google, foi lançado na semana passada, inicialmente nos Estados Unidos e Reino Unido.
Os próximos passos da IA, em avanços tecnológicos e na sua utilização, prometem ser desafiadores. Assim como houve alguma desconfiança sobre celulares no passado, os chatbots chegam para romper resistências e fazer parte do cotidiano. Novos dilemas vão surgir e, esperamos, que a sociedade os resolva da melhor maneira.