Editorial
Bancos estão pouco se lixando
O xis da questão não é a maior ou menor rigidez da legislação (...) O problema é manter uma fiscalização eficiente, acelerar os processos no Judiciário e furar a barreira da impunidade
Apesar da gradativa evolução registrada nos últimos anos, as relações entre os consumidores e as empresas prestadoras de serviços públicos continuam sendo uma luta inescrupulosamente desigual. As legislações -- cada vez mais pertinentes e, em tese, rígidas --, assim como os nem tão recentes aparatos protetivos, têm-se mostrado insuficientes para garantir os direitos conquistados pela população. Nem mesmo a previsível queda de braço entre explorados e exploradores acaba se verificando na prática, pelo simples motivo de as pessoas menos providas de recursos quase nada lograrem diante do poderio econômico e do aparato jurídico à disposição das grandes corporações. Exemplos vexatórios dessa situação podem ser constatados diariamente, no desrespeito recorrente de concessionárias de energia elétrica, serviços de água e esgoto, comunicações e, principalmente, por uma significativa parcela das instituições bancárias.
Chamam a atenção, sobretudo, a repetição de cenas supostamente relegadas ao século passado, como as enormes filas de idosos nas calçadas dos bancos de Sorocaba. À mercê do sol escaldante e das chuvas -- geralmente torrenciais durante o verão --, milhares de homens e mulheres que dedicaram décadas e décadas de suas vidas a fatigantes ofícios em prol da sociedade, ainda são obrigados a galgar, passo a passo, o acesso a uma agência, para, enfim, receberem suas irrisórias aposentadorias e/ou benefícios conquistados a duras penas. Episódios desse tipo acabaram se tornando ainda mais comuns durante a pandemia do novo coronavírus, quando a necessidade de conter o contágio ditou regras sanitárias rígidas, incluindo o distanciamento entre as pessoas e, evidentemente, vetando as aglomerações.
O Cruzeiro do Sul recebeu um sem número de denúncias desse tipo durante os dois anos de isolamento social. Em todas as oportunidades, a reportagem pode constatar os dois lados da moeda e testemunhar que a solução definitiva para o contrassenso que distingue a situação exige muito mais do que leis e boas intenções por parte dos poderes públicos. Na maioria das vezes, os altos executivos, em suas salas aclimatadas, geralmente a centenas ou milhares de quilômetros de distância dos problemas reais, respondiam aos questionamentos do jornal -- quando se davam ao trabalho de dar esclarecimentos -- apresentando os canais eletrônicos alternativos ao atendimento presencial. A atitude apenas reforça a despreocupação com o dia a dia efetivo daqueles a quem deveriam prestar serviços e que, em bom Português, proporcionam os excepcionais lucros contabilizados anualmente pelas instituições financeiras, além de pagar os seus salários. É óbvio que os banqueiros conhecem as dificuldades de acesso e até mesmo de domínio das tecnologias on-line enfrentadas pelos idosos. Da mesma forma, sabem que os seus sistemas nem sempre funcionam ou estão disponíveis.
Vale lembrar que nenhum serviço prestado pelos bancos à população é gratuito. O custo é rateado entre os clientes -- que pagam mensalmente as aviltantes cestas de serviços --, as empresas empregadoras e/ou fornecedoras de serviços e produtos e até os próprios governos. Nos últimos dois anos, por exemplo, diante da maior crise sanitária da história e do agravamento das crises econômica e social, os cinco maiores bancos do Brasil comemoraram lucro líquido acumulado de R$ 174,9 bilhões. Somente as quatro principais instituições, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander registraram ganhos de R$ 90,5 bilhões. O montante representa aumento de 34,7% em relação ao mesmo período do ano anterior. No ano passado, a Caixa Econômica Federal (CEF), por sua vez, ganhou R$ 17,3 bilhões -- crescimento de 31,1% na comparação com 2020.
Na semana que está chegando ao fim, o Cruzeiro do Sul noticiou duas situações com potencial para colocar alguma luz no fim desse poço aparentemente sem fundo. Na primeira delas, em decisão até certo ponto previsível, a superintendência do Serviço Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon - Sorocaba), ligado à Secretaria Jurídica da Prefeitura, manteve multas à Caixa Econômica Federal (CEF) e ao banco Mercantil por demora no atendimento ao público, em desobediência às leis municipais. O total das punições supera os R$ 80 mil. Até ai, tudo bem! Afinal, alguma penalidade é melhor do que nenhum. Uma leitura mais atenta dos autos, no entanto, revela que os bancos estão pouco se lixando. O valor é irrisório e os recursos contra o pagamento podem arrastar o processo indefinidamente. Não é pessimismo supor que, a depender das condições atuais, os prejuízos e dissabores registrados mais de um ano atrás nunca serão, de fato, indenizados.
Outro motivo para celebração é a duplicação do valor das multas para agências bancárias que desrespeitam o tempo limite para atendimento ao público no âmbito de Sorocaba. A mudança foi oficializada na sessão da Câmara de Sorocaba de quinta-feira (10), quando os vereadores aprovaram por unanimidade o projeto de lei de autoria do prefeito Rodrigo Manga que aumenta o valor da punição pecuniária aos bancos de R$ 5 mil para R$ 50 mil. No município, a lei estabelece que, nos caixas ou caixas eletrônicos, o tempo máximo de espera seja de 15 minutos em dias normais e de 30 minutos em véspera ou após feriados prolongados e dias de pagamentos dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais. Já o tempo máximo de espera para atendimento nas mesas é de 30 minutos em dias normais e de 45 minutos em véspera ou após feriados prolongados e dias de pagamentos dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais.
Lamentavelmente, como já ficou demonstrado, o xis da questão não é a maior o menor rigidez da legislação ou a criação de normas para defender os clientes da insensibilidade dos banqueiros. No dia 7 de abril de 2021, por exemplo, atendendo a mais um dos inúmeros episódios apontados pelos sorocabanos, a reportagem encontrou clientes que aguardavam nas filas há cinco horas e até mais. O problema é manter uma fiscalização eficiente, acelerar os processos no Judiciário e furar a barreira da impunidade. Uma possível solução pode ser encaminhada por meio do comprometimento mútuo dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Quem vai dar o primeiro passo?