Editorial
Fundão: mais uma decepção com o STF
Ao manter os quase cinco bilhões de reais para o fundo eleitoral, STF mostra que decide como lhe convém
Por mais que a gente tente, muitas vezes é difícil entender algumas deliberações do Supremo Tribunal Federal (STF). Desta vez, a principal Corte do País decidiu, por nove votos a dois, manter em R$ 4,9 bilhões o chamado fundo eleitoral — verba que será utilizada pelos partidos políticos para financiar campanhas nas eleições deste ano.
A ação analisada pelo Supremo foi proposta pelo partido Novo e questionava o aumento do fundo, de R$ 2,1 bilhões para R$ 4,9 bilhões, previsto em um trecho da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Antes de ser julgado pelo plenário do STF, o valor foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Ainda segundo a legenda partidária, a Câmara não teria apresentado fonte de recursos para custear a despesa bilionária. O partido defendeu que fosse mantido o valor inicial, de R$ 2,1 bilhões.
O julgamento teve início na semana passada e foi suspenso. Na retomada da análise, anteontem, a maioria dos ministros do Supremo divergiu do relator, André Mendonça, que votou por suspender o aumento. Em sua decisão, Mendonça disse que não houve ilegalidade no aumento do fundo, mas alegou que o novo valor desrespeitou a Constituição, por falta de comprovação de necessidade, ausência de proporcionalidade a também por desrespeitar a regra da anualidade eleitoral. Esta determina que mudanças que afetem as eleições devem ser aprovadas, no mínimo, um ano antes do pleito. A aprovação do orçamento, prevendo os R$ 4,9 bilhões para o fundo, ocorreu em dezembro, menos de um ano antes das eleições deste ano, em outubro.
Somente o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou totalmente o relator, seguindo na linha de que a mudança só poderia ter sido aprovada até um ano antes do pleito. Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam somente em parte o relator, contra um trecho da LDO, mas votaram pela manutenção do valor majorado. Os outros ministros do STF -- Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Dias Toffoli -- votaram a favor da cifra aprovada pelos parlamentares.
Em comum em seus votos, esses ministros basicamente disseram que não cabe ao STF intervir no Legislativo e citaram a separação dos poderes. Alguns até criticaram o montante, mas o mantiveram. A avaliação dos integrantes da Corte foi a de que a definição do valor do fundo eleitoral foi feita pelo Congresso Nacional, e que a tarefa de estipular quanto será pago às campanhas é dos parlamentares.
Desta forma, o fundo eleitoral atingirá seu valor recorde neste ano. Diferentemente do fundo partidário, que é pago mensalmente aos partidos para custear funcionamento e despesas, o fundo eleitoral é distribuído às legendas exclusivamente em anos de eleições e destinado às campanhas eleitorais. A medida foi criada em 2017 depois que o STF proibiu o financiamento empresarial das campanhas.
O valor será pago em junho deste ano, quatro meses antes das eleições, e é distribuído de acordo com a representatividade de cada partido no Congresso Nacional. Sendo assim, as siglas com as maiores bancadas na Câmara recebem as maiores fatias.
Além da montanha de dinheiro que será dada aos partidos e aos políticos, uma das questões é que, na prática, o fundo tem consequência contrária ao que prega. Além de tentar evitar financiamento empresarial, o fundo nasceu para supostamente permitir que políticos menos favorecidos possam fazer campanhas e tentar se eleger. No mundo real, porém, o fundo concentra mais poder em políticos privilegiados.
Afinal, são os caciques dos partidos que acabam decidindo para onde destinar a dinheirama. Além disso, há muitos esquemas suspeitos, principalmente no uso de cotas partidárias.
Qualquer pessoa de bom senso sabe que o fundo é imoral e desproporcional, ainda mais diante da realidade do País, já que tira recursos de áreas essenciais e privilegia ainda mais quem já tem uma infinidade de benesses, como a classe política.
O fundo é mais uma prova do desrespeito ao dinheiro suado dos cidadãos, que trabalham arduamente e pagam impostos. Portanto, o STF poderia ter corrigido essa distorção absurda.
E algumas coisas chamam a atenção nesse despacho ocorrido no Supremo. Curiosamente, o ministro “terrivelmente evangélico”, cuja indicação foi questionada e bombardeada por meses a fio, deu um voto mais sensato do que vários “caciques” do STF.
Outro ponto também ficou claro com o julgamento. O STF adora interferir em questões políticas, mas somente quando lhe convém -- como nas retaliações violentas contra seus críticos e detratores. Lamentavelmente o tribunal abaixa a cabeça e faz vista grossa, ou então apela para tecnicismos e juridiquês, quando quer tentar justificar o injustificável.
Como explicar que o Supremo aja com tanta firmeza e disposição em situações que são até questionáveis do ponto de vista do direito de opinião pessoal e, ao mesmo tempo, se omita dessa maneira quando estão em jogo bilhões de reais que poderiam ser investidos em melhorias nas áreas de saúde, educação e segurança para o povo?