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Vencimentos

Penduricalhos milionários: vergonha

Decisões de Augusto Aras, da PGR, permitiram que alguns procuradores recebessem vencimentos de quase R$ 500 mil em dezembro

22 de Janeiro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Salários e supersalários
Salários e supersalários (Crédito: Daniel Isaia/Ag..ncia Brasil)

Enquanto milhões de brasileiros lutam diariamente para sobreviver a duras penas, uma pequena parcela de agentes e funcionários públicos privilegiados se esbalda com vencimentos milionários.

Duas decisões tomadas no fim de 2021 pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, escancaram essa situação. Elas permitiram, por exemplo, que alguns procuradores recebessem um valor “extra” de quase R$ 500 mil em dezembro.

Sim, é isso mesmo que você leu, quase meio milhão de reais em um único mês! Entre os maiores contracheques está o do procurador regional José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Dono de um salário-base de R$ 35,4 mil, Robalinho recebeu R$ 446 mil em rendimentos brutos em dezembro, por conta de penduricalhos e indenizações.

Entre outros que também tiveram um Papai Noel generoso no Natal estão o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, com R$ 332 mil brutos, e o procurador Mário Lúcio Avelar (PGR-GO), que ganha em média R$ 33 mil e acumulou R$ 471 mil em rendimentos brutos no mês passado.

Os dados são do Portal da Transparência do Governo Federal -- site de acesso livre, no qual os cidadãos podem encontrar informações sobre como o dinheiro público é utilizado. Não custa lembrar que o salário mínimo é R$ 1.212,00.

Ou seja, o vencimento de dezembro de alguns desses membros do Judiciário é mais de 300 vezes o salário recebido por um trabalhador básico do País. E isso se compararmos com quem tem emprego, claro, pois o desemprego -- potencializado pela pandemia -- ainda é uma triste realidade, com mais de mais de 13 milhões de desempregados, segundo dados do IBGE.

Para explicar -- se é que isso é possível -- essa dinheirama paga aos procuradores em dezembro, temos de falar sobre uma artimanha tipicamente brasileira que existe há décadas e nos remete à Lei de Gérson -- de sempre levar vantagem. “Penduricalhos” são pagamentos extras para inflar o salário de determinados agentes públicos e, assim, driblar a lei. A Constituição limita o pagamento de salários no serviço público ao valor recebido por um ministro do Supremo Tribunal Federal, que é de R$ 39,3 mil.

Esses penduricalhos pagos aos procuradores se referem a licenças-prêmio, Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), abonos e indenizações de férias não usufruídas, além de outros tipos de auxílios.

Ainda conforme a Procuradoria-Geral da República (PGR), essas dívidas foram reconhecidas pela Justiça e são quitadas quando há sobra orçamentária, por isso, os pagamentos são feitos no fim do exercício. Ou seja, do ponto de vista jurídico, são legais, sim. Já do ponto de vista prático, pode-se dizer que são absolutamente imorais.
Para se ter ideia do montante, os penduricalhos autorizados por Aras custaram R$ 79 milhões aos cofres do Ministério Público da União. Foi aberto um edital, pouco antes do início do recesso do Judiciário, autorizando que procuradores solicitassem, de uma só vez, o recebimento de licenças-prêmio acumuladas há anos.

Dessa forma, aqueles que tinham folgas para gozar puderam convertê-las em dinheiro. Aras também determinou, por meio de uma portaria, o pagamento antecipado das férias deste ano. Com isso, um grupo de 675 procuradores -- entre eles o ex-procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava-Jato em Curitiba -- recebeu valores acima de R$ 100 mil em dezembro.

No Congresso, uma proposta que regulamenta os pagamentos acima do teto no Judiciário, no Executivo e no Legislativo aguarda há mais de cinco anos para ser votada. Após passar no Senado, em 2016, a medida nunca foi analisada pela Câmara.

Evidentemente que quem estudou, se dedicou, passou em concursos e ocupa cargos de relevância no serviço público merece ser valorizado. Isso é inquestionável. O ponto não é esse. A questão é por que o serviço público -- sobretudo o Judiciário e o Legislativo -- oferece tantas vantagens e benefícios, que não são vistos nas empresas privadas?

Entre elas, por exemplo, ter três meses de férias remuneradas a cada cinco anos trabalhados, a possibilidade de converter folgas, dias a mais trabalhados e licenças-prêmio em dinheiro, e a existência de uma infinidade de auxílios como alimentação, moradia, escola, transporte etc.

Como combater as desigualdades sociais com essa situação?