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Editorial

As discussões do ‘orçamento secreto’

O que, a princípio, parecia indicar vitória do Congresso sobre o Supremo Tribunal Federal, na realidade não é bem assim

09 de Dezembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF).
Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF). (Crédito: Carlos Moura / SCO / STF (4/3/2020))

Na segunda-feira (6), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber liberou a retomada dos pagamentos das emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”, no Orçamento de 2021. Diferentemente das emendas individuais, que seguem critérios específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem critérios usuais e beneficiam somente alguns parlamentares. Além disso, são emendas praticamente sem nenhuma transparência. Na prática, dinheiro dado a alguns congressistas sem nenhuma informação de destinatário, projeto ou justificativa dos gastos.

No mês passado, Weber havia determinado a suspensão do pagamento dessas emendas. Na mesma decisão, pediu a adoção de total transparência e publicidade nessas movimentações financeiras. A decisão individual dela foi confirmada pelos colegas de STF, por 8 votos a 2.

Representados pelos presidentes da Câmara e do Senado, o Congresso reagiu. Fez um pedido de desbloqueio ao STF argumentando que a suspensão das emendas representava “potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação”.

O Congresso informou ao STF que, dos R$ 16,8 bilhões inscritos nas emendas de relator para 2021, R$ 3,8 bilhões (22,61%) já foram liquidados e R$ 9,2 bilhões (54,76%) estão empenhados (com promessa de pagamento).

Veio, então, a nova decisão de Weber, autorizando o desbloqueio. Alguns veículos da mídia, inclusive, usaram o termo “recuo da ministra” para noticiar o ocorrido. Líderes do Centrão chegaram a festejar a liberação. Os olhos de alguns parlamentares tilintaram cifrões ao verem que poderiam usar os R$ 9,2 bilhões em emendas parlamentares que estavam suspensas há dois meses. Contudo, a alegria dessa turma durou pouco.

O que, a princípio, parecia indicar uma vitória do Congresso sobre o STF, na realidade não é bem assim.

Em seu despacho de 23 páginas, Rosa Weber enfatiza que a dinheirama só foi liberada por causa da “necessidade de proteger a continuidade dos serviços públicos”. Citando documentos apresentados pelo Congresso, ela afirmou que metade desse valor está destinado ao custeio de serviços de atendimento básico em postos de saúde e de internações hospitalares, em meio à crise pandêmica.

A nova decisão de Weber será julgada pelo plenário virtual do STF, mas ainda não há data marcada para essa análise.

Além disso, a ministra do STF determina que, na liberação dos pagamentos, devem ser observadas as regras do ato aprovado pelo Congresso Nacional na semana passada. Ela se refere às mudanças e novas regras de mais transparência em relação ao orçamento secreto ratificadas pelo próprio parlamento.

A partir de determinação inicial da ministra, o texto aprovado estabelece limite para as emendas do relator, que não poderão ultrapassar a soma das emendas individuais e de bancada. Hoje, não existe um valor máximo. Técnicos legislativos e parlamentares da oposição, no entanto, consideram que o novo texto mantém a falta de transparência, ainda que partir de 2022 os nomes dos autores das indicações também terão de ser publicados no site da Comissão Mista de Orçamento. Afinal, isso abre brecha para uma “falsa transparência”. Como, além de parlamentares, agentes públicos e a sociedade civil também poderão fazer solicitações para o uso do dinheiro, um parlamentar pode negociar emendas e pedir para que um prefeito, por exemplo, faça o pedido diretamente ao Congresso. Assim, o nome divulgado não seria o dele, mas o do prefeito.

É o famoso jogo do gato e rato. O STF tentando enquadrar os parlamentares sobre a destinação de bilhões de reais e os congressistas querendo manter tudo às escondidas. Ao menos, desta vez, o STF está defendendo o interesse da população, com atitude vigilante e diligente.

Tudo indica que a briga por mais transparência no orçamento secreto está apenas começando. É aguardar e torcer.