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Editorial

Uma tragédia que choca a todos

Ocorrência que se desenrolou por várias horas e terminou com duplo feminicídio em Sorocaba também expõe o crescimento de casos de violência contra a mulher

02 de Dezembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Fábio Rogério )

A população de Sorocaba e região amanheceu, ontem, chocada com um caso de violência. O episódio se desenrolou por mais de três horas e acabou em duplo homicídio e feminicídio.

Após uma discussão que teve início de madrugada, Filipe Renovato, de 30 anos, se descontrolou e atacou a facadas a esposa, Isabela Rosa Renovato, de 25 anos, e a mãe dela, Daniela Rosa, 41, que morreu na hora. O crime ocorreu na casa do casal, no Jardim Itanguá. Eles estavam juntos havia seis anos e, apesar do relacionamento conturbado, até então não haviam sido registradas maiores ocorrências. Farmacêutico e funcionário de um hospital da cidade, Filipe não tinha antecedentes criminais.

De acordo com a polícia, o agressor começou a discutir com a esposa após encontrar indícios de uma suposta traição no celular dela. Em certo momento, a mãe da mulher foi até a residência, portando uma faca na cintura. Ao ver o objeto, o suspeito se descontrolou, pegou a faca e ameaçou matar os presentes na residência. Em seguida, desferiu diversos golpes contra as vítimas. Um irmão de Isabela, de 15 anos, e o filho do casal, de apenas quatro, também estavam na casa, mas felizmente conseguiram fugir e não se feriram.

Quando a PM chegou ao local, por volta das 7h30, encontrou a sogra já sem vida. A esposa foi mantida refém por Filipe por cerca de três horas. Uma equipe do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da capital precisou ser acionada. Durante as negociações, o agressor ameaçou tirar a própria vida. Porém, após longo período de conversas, Filipe libertou a mulher, largou a faca e se entregou. Isabela chegou a ser levada para um hospital, em estado grave, mas não resistiu. Filipe foi preso em flagrante e levado para a Delegacia da Mulher, onde foi autuado por duplo feminicídio.

Infelizmente, trata-se de mais uma tragédia familiar de proporções inimagináveis. Para piorar, algo que ocorre com certa frequência nos lares brasileiros e pelo mundo afora: brigas e discussões domésticas que acabam em agressão ou morte. Nesse caso, além de matar duas pessoas, o agressor destruiu também a vida do filho do casal, que presenciou a chacina e perdeu mãe, avó materna e o pai -- que deve ficar preso por longo período. O garotinho foi encaminhado para o Conselho Tutelar, que decidirá com quem a criança ficará.

A tragédia também expõe o crescimento observado de casos de violência contra a mulher nos últimos anos. Isso ocorre globalmente e localmente. Levantamento do Jusbarômetro SP, realizado em agosto, mostra que 88% das mulheres paulistas perceberam o aumento dessa violência doméstica, sobretudo nos dois últimos anos, por conta da pandemia. O levantamento apontou que 54% das entrevistadas indicam a violência doméstica como a principal preocupação das paulistas atualmente. Além disso, 66% acreditam que a casa é o principal local das agressões e 63% apontam como autor o cônjuge, companheiro ou o namorado da vítima.

Na contramão do aumento desse tipo de violência, ainda é escassa a busca por ajuda junto aos órgãos oficiais. De acordo com a pesquisa, apenas 29% das vítimas procuraram ajuda das autoridades. A percepção de que as mulheres vitimadas ainda se sentem desprotegidas é notável, sendo o medo, apontado por 73%, como a principal causa desse silêncio.

Depoimento recente da delegada titular da Delegacia da Mulher (DDM) de Sorocaba, Veraly Bramante Ferraz, confirma essa situação. Segundo ela, a pandemia ampliou a exposição das mulheres à violência. Veraly diz que, enquanto delegacias comuns instauram 20 a 25 inquéritos por mês, a DDM chega a fazer cerca de 200 no mesmo período. Segundo ela, a DDM de Sorocaba já tem mais de quatro mil BOs dessa natureza. Ainda assim, casos como o de ontem chocam até os policiais mais experientes. Mesmo tendo assumido a delegacia em 2020, até então não havia registro de casos de feminicídio na cidade.

Enfim, é preciso haver uma reflexão sobre esse cotidiano de violência, que em muitos casos acontece por falta de tolerância, de diálogo e de bom senso. A raiva não leva a nada, só a tragédias como a ocorrida ontem.