Volta aos estádios é teste de maturidade

Depende de nós manter a Covid-19 na recente trajetória de declínio ou provocar uma nova onda da doença

Por Cruzeiro do Sul

Torcida do São Bento

Após os 18 fatídicos meses do isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, o retorno gradual dos paulistas aos estádios de futebol, a partir do próximo dia 4 de outubro, justapõe significados, objetivos e desafios múltiplos para todos os setores envolvidos com o esporte e até mesmo para quem não tem nada a ver a história. Ao mesmo tempo em que representa a realização dos sonhos de milhões de pessoas -- de torcedores a atletas, de dirigentes de clubes a empreendedores, entre tantos outros --, abrangendo desde interesses econômico-financeiros a objetivos políticos, a reabertura dos portões ao público no Estado embute significativo nível de responsabilidade compartilhada e conscientização. Será um teste à nossa capacidade de obediência aos protocolos de segurança sanitária estabelecidos como contrapartida à liberação das arquibancadas. Em outras palavras, depende de nós manter a Covid-19 na recente trajetória de declínio ou provocar uma nova onda da doença.

O Comitê Científico do Governo do Estado de São Paulo, responsável pela liberação do público atribuiu aos organizadores dos eventos esportivos a execução e a fiscalização das normas sanitárias de prevenção. Para o ingresso nos estádios, os clubes devem exigir um comprovante com esquema vacinal completo, ou seja, duas doses da vacina Coronavac, Astrazeneca e Pfizer ou dose única da Janssen. Quem ainda não tiver concluído o esquema vacinal, deverá ter tomado ao menos uma dose de vacina e apresentar um teste negativo com validade de 48 horas para os do tipo PCR ou 24 horas para os testes de antígeno. O uso de máscara continua obrigatório em todos os setores das arquibancadas, assim como o distanciamento mínimo entre os torcedores. Este último item, válido durante o mês de outubro, deve ser garantido pela redução do público.

Independentemente das limitações iniciais -- óbvias e necessárias --, a abertura prevista para daqui a dez dias será a primeira trégua concedida ao público de uma das paixões dos paulistas desde o início da pandemia. Finalmente os torcedores poderão se emocionar, comemorar, lamentar, protestar, enfim, vivenciar as competições presencialmente. Para os clubes, pode representar o tão ansiado reforço de caixa capaz de atenuar as crises financeiras -- algumas antigas -- agravadas desde março de 2020. A volta das torcidas ao seu vai e vem natural é identicamente aguardada por comerciantes e prestadores de serviços.

As justificativas do Comitê Científico do Governo de São Paulo para a abertura dos campos de futebol incluem o avanço positivo da imunização contra o vírus por meio de vacinação e também a redução do número de infecções, internações e mortes. Mesmo assim, ao contrário do que já ocorre desde o início de 2021 na Europa, nos EUA e em regiões da Ásia, o retorno do público aos jogos continua indefinido na maioria dos Estados brasileiros, justamente por conta das incertezas sobre o comportamento dos frequentadores e pela redução ainda discreta da pandemia no País. Tomando como base o exemplo do teste feito no mês passado pela Prefeitura de Belo Horizonte, os governadores têm motivos de sobra para ficar em dúvida. As cenas de aglomerações dentro e fora do estádio e o desrespeito à obrigação do uso de máscara em dois jogos levaram a administração municipal a considerar a experiência fracassada.

Além de São Paulo, até o momento há liberação parcial de público apenas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Goiás (apenas eventos-teste em Goiânia), Minas Gerais (apenas jogos do Cruzeiro na Arena do Jacaré) e Pernambuco (a partir de amanhã). Iniciativas isoladas de equipes, como Flamengo e Atlético Mineiro, que abriram os portões do Maracanã e do Mineirão, respectivamente, para algumas partidas do Brasileirão e da Libertadores da América, foram alvos de críticas por parte dos demais clubes. Até o momento, no entanto, não há evidências comprovadas de alterações nos quadros de infecções ou de óbitos por conta dos referidos eventos.

De qualquer forma, o histórico dos 18 meses de pandemia -- festas rave, por exemplo -- e os números atuais da Covid-19 exigem cautela como regra geral na volta do público aos estádios. Cabe aos torcedores, apesar do caráter passional do esporte, ter responsabilidade e fazer a sua parte para que não seja necessário fechar novamente os estádios. Vamos retornar aos campos, torcer pelos nossos times, comemorar, soltar o grito há tanto tempo reprimido na garganta e até, se for o caso, reclamar do árbitro, mas tudo isso sem esquecer que a pandemia ainda não acabou.