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Editorial

Até ‘saidinhas’ de compensação?!

Em mais um absurdo do cotidiano brasileiro, Justiça autoriza saída temporária de 2,4 mil presos na região de Sorocaba

21 de Maio de 2021 às 23:38
Cruzeiro do Sul [email protected]
Pandemia põe cerca de 2,4 mil presos na rua
Pandemia põe cerca de 2,4 mil presos na rua (Crédito: Agência Brasil/Arquivo)

Quando apontamos a fragilidade da legislação brasileira, quando lamentamos as brechas jurídicas que permitem tantos descalabros, quando criticamos algumas decisões da Justiça é porque, ano após ano, somos obrigados a assistir, estarrecidos, a uma série de absurdos.

Inclusive, mais um deles acaba de acontecer e atinge diretamente a população local. Nesta semana, por exemplo, cerca de 2.400 presos de regime semiaberto custodiados em presídios na região de Sorocaba estão em saída temporária. A liberação aconteceu após determinação da Justiça. Os detentos foram liberados na terça (18) e devem retornar na segunda (24). Caso não regressem às unidades prisionais, passam a ser considerados foragidos. Se capturados, eles voltam para o regime fechado.

Na região de Sorocaba, o CPP de Porto Feliz teve o maior número de presos liberados nessa “saidinha”: 836. Na sequência estão as unidades prisionais de Itapetininga (619), Sorocaba (514), Capela do Alto (267) e Mairinque (158), segundo os dados divulgados pela Secretaria de Administração Penitenciária. Essa é a primeira “saidinha” neste ano. Inicialmente, os presos teriam o benefício no período da Páscoa, mas a liberação foi adiada por causa do agravamento da pandemia à época.

A saída temporária é um benefício concedido aos detentos do regime semiaberto que recebem o direito de sair em períodos específicos como datas comemorativas de Dia das Crianças, Dia das Mães e festas de fim de ano. Por ano, os presos do regime semiaberto têm direito a 35 dias fora do sistema prisional. Em 2020, por conta da pandemia, a saída foi liberada apenas uma vez.

Agora, imagine ter de explicar isso a um estrangeiro. “A pessoa cometeu um crime, recebeu uma pena, mas depois de certo tempo -- não muito, por sinal -- já tem uma série de benefícios”. E seguiríamos tentando explicar o inexplicável. “Sim, é isso mesmo. E entre esses benefícios está o direito de ficar 35 dias fora da cadeia, em datas especiais e comemorativas”. A reação do gringo provavelmente seria uma expressão de quem não entendeu nada com a exclamação “What?!” (O quê?!). A essa altura o gringo não entenderia mais nada e você teria de dizer “é assim que são as coisas por aqui, my friend”.

Uma das chances de mudar esse cenário, ou ao menos parte dele, é algo que se arrasta há muito tempo. A proposta de novo Código de Processo Penal (CPP) tramita no Congresso Nacional há mais de 10 anos, desde 2010. Curiosamente, após muitos anos esquecido, o projeto ganhou atenção e voltou a ser encarado como um assunto que merece ser votado pelos parlamentares. O maior problema, porém, é que além de estarmos tão atrasados com esse processo, ainda corremos o risco de fazermos uma revisão equivocada do CPP, promovendo mudanças que irão afetar profundamente os processos criminais, mas na direção errada. Em vez de corrigirmos o que está errado, podemos agravar a injustiça e favorecer ainda mais bandidos e criminosos.

Entre as principais alterações propostas estão a dispensa de necessidade de perícia para o relatório final de uma investigação, a diminuição do valor da investigação realizada por delegado de polícia e agentes, a não autorização de uso de DNA para a identificação de criminosos e até o modo de como as testemunhas serão ouvidas. Retirar ferramentas eficazes, procedimentos fundamentais de investigação e garantias de autonomia e independência funcional pode significar o pior dos cenários. Lembremos do velho ditado que diz “não há nada tão ruim que não possa piorar”.