Torcer muito, acreditar um pouco

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Ilustração: Vanessa Tenor

Ilustração: Vanessa Tenor

É tolice querer que o piloto do avião em que todos voamos cometa erros graves. Até domingo, o clima era dominado pelas esperanças de que o voo dê certo. Há boas notícias da economia, que se recupera -- lentamente, mas melhora. O desemprego é um pouco menor (e o índice melhora se forem levados em conta os informais). A expectativa da população é boa, segundo a pesquisa Datafolha: 65% acreditam que Bolsonaro fará um bom governo.

Mas há problemas. Michel Temer sancionou o aumentão dos ministros do Supremo, porém não decretou o novo salário mínimo. Nada de especial: de R$ 954 iria para R$ 1.006 mensais. Deixou o aumento de despesas para o novo Governo. E nomeou o inacreditável Carlos Marun, amigo de fé de Eduardo Cunha, para o Conselho de Itaipu, com mandato até 2020. Pelas normas das estatais, um conselheiro precisa ter atuado dez anos na área, ou ter quatro em empresa do ramo, de igual porte. Marun -- bem, é do MDB. Bolsonaro pode demiti-lo, mas o MDB não aceita bem a perda de cargos.

Há Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Já responde por caixa 2 no Supremo. Já foi perdoado por Moro por ter pedido desculpas em outro caso de captação de recursos. E descobre-se que, na campanha de Bolsonaro, cobrou da Câmara as passagens aéreas. Ficou bravo: disse que não precisa explicar nada, porque não gastou em sua campanha, mas na do presidente. Onyx já é um peso para Bolsonaro. Ao falar, ainda se complica.

Calma geral

Houve preocupação, muitos temiam um atentado, mas correu tudo bem. Bolsonaro desfilou de carro aberto pela Esplanada dos Ministérios, sem qualquer problema. O Gabinete de Segurança Institucional, do general Augusto Heleno, foi ótimo na prevenção de anormalidades. Muita gente, provavelmente o recorde de público de posses presidenciais, e nenhum incidente sério. Houve um caso em que o general falou sem necessidade (nota abaixo), mas inaugurou sua temporada no GSI de maneira impecável.

Calma, general

Poucos dias antes do fim do ano, Bolsonaro anunciou que, por decreto, iria facilitar a posse de armas. Nada a explicar: era sua promessa de campanha, e os eleitores o respaldaram. Mas o general Augusto Heleno, hoje chefe do Gabinete de Segurança Institucional, quis ajudar, dizendo que morrem 50 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito e nem por isso se proíbe a venda de automóveis. Argumentou mal: os carros têm uma finalidade e as mortes ocorrem por falha ou imperícia. Já as armas só têm uma finalidade. Não podem ser comparadas com carros.

Calma, governador

O novo governador de São Paulo, João Doria, anunciou ao tomar posse sua primeira providência: não vai morar no Palácio Bandeirantes, sede do Governo paulista. Disse que o Bandeirantes será “o palácio do trabalho” e não de moradia -- a seu ver, corta assim privilégios e mordomias para sua família. Só que não é bem assim: o palácio tem um corpo de segurança que garante tanto o ambiente de trabalho como a família do governador. Agora será preciso montar mais um corpo de segurança, para a casa de Doria. Os serviços de apoio para este grupo, já existentes no palácio -- academia de atletismo, intendência, atendimento de emergência -- terão de ser duplicados. Em termos de economia, não passa de uma falsa boa ideia. A propósito, Collor teve ideia semelhante, e ficou morando na Casa da Dinda.

Bate-bate

Doria fez duro discurso contra os adversários -- mas adversários de seu próprio partido, o PSDB. Disse que “a partir de agora” São Paulo vai mudar, “vai ter comando”. E que no palácio haverá mais trabalho e menos cafezinho para os visitantes. O PSDB governa o Estado desde 1995, com Mário Covas, Geraldo Alckmin (três vezes), Alberto Goldman e José Serra, com pequeno intervalo de Cláudio Lembo, quando Alckmin se afastou para candidatar-se à Presidência. Antes desse período, Franco Montoro (que seria um dos fundadores do PSDB) governou o Estado, eleito pelo PMDB.

Para apadrinhar Doria, Alckmin brigou com Serra, Goldman, Fernando Henrique, Andrea Matarazzo e outros caciques. Agora, só lhe restam eles.

O recordista

Michel Temer deixa o Governo batendo uma série de recordes. Apesar da crise, deixou a inflação estabilizada, abaixo da meta; encaminhou a reforma da Previdência; reformou a lei trabalhista; encerrou tecnicamente o período de recessão; e manteve os juros Selic em níveis mais civilizados.

Mas tem recordes para o bem e para o mal. Um presidente nunca havia sofrido, como ele, três denúncias durante o mandato. Não são as únicas: no total, há sete, que incluem de questões envolvendo o Porto de Santos até pedido de propinas em troca de favores. Como Temer está sem mandato, todos os processos deverão ser enviados a juízes de primeira instância.

Carlos Brickmann é jornalista e escreve para o Cruzeiro do Sul (carlos@brickmann.com.br)