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Tempos de pandemia

22 de Março de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Temo que minhas palavras possam soar vazias e desrespeitosas. O que me encoraja a fazê-lo é a confiança que muitos depositam em mim e principalmente a convicção de que estamos unidos pelos laços de Cristo. Nele choramos com os que choram e nos alegramos com os que se alegram. Por isso, gostaria muito de, com estas linhas, entrar na sua casa como em ponta de pés e passar alguns momentos junto com você nessa hora que cada vez se assemelha mais com a hora de Cristo. Entro um pouco temeroso, mas também com um grande desejo de estar próximo e de poder compartilhar com você os sentimentos, os sofrimentos e as esperanças.

Como você bem sabe, vivemos tempos de distanciamento social e, para os católicos, de suspensão das missas com o povo. Essa distância física, no entanto, não cancela outro fato, mais profundo e misterioso, de que, na comunhão de fé, a vida de todos nós está escondida em Cristo.

Vivemos uma passagem difícil e dolorosa. Experimentamos nossa impotência e nossa fragilidade; somos confrontados com a nossa pobreza radical e nossa pequenez diante de acontecimentos que se impõem a nós de um modo aparentemente cruel. Diante da pandemia experimentamos, mais do que nunca, a limitação de nossa liberdade: ninguém escolhe a doença ou a morte; é ela que se impõe a nós. Por outro lado, tenho firme convicção de que essa passagem não é sem esperança e futuro. O momento que vivemos não é somente arcado pelo fim, pela destruição das relações, pela ausência de nossos caros. É claro que sempre experimentamos o drama da doença e da morte, mas é exatamente esse drama, quando vivido em união com Cristo, que nos obriga a nos concentrar naquilo que é essencial, nos educa para um olhar mais profundo sobre a nossa vida e nossa missão, nos possibilita distinguir o que realmente tem valor daquilo que é acessório. Somos despojados pelas atuais vicissitudes, mas elas não nos podem tomar aquilo que é essencial. Pelo contrário elas o revelam.

Seja permitido a mim compartilhar com você o que o drama da pandemia pode nos ajudar a perceber com mais clareza. O primeiro dom são as próprias pessoas. A nossa vida é marcada por encontros com quem não escolhemos, por partilha de vida e por despedidas. Tantas pessoas encontramos sem que tenhamos escolhido: não escolhi meu pai nem minha mãe, não escolhi os meus irmãos; não pude selecionar os padres desta arquidiocese, tampouco elegi os fiéis que me foram confiados e que agora partilham comigo os mesmos sofrimentos. Este tempo de penitência me ensina que o fato de não os ter escolhido não me dispensa da necessidade e da alegria de amá-los: a vida é dom, e dom de Deus são as pessoas que encontro. Peço a Deus a graça de poder me alegrar e chorar com aqueles que (também por graça de Deus) eu encontro.

Outro dom precioso é a oração: a oração que se predispõe ao futuro, que confessa uma entrega e uma confiança ainda que com trepidações, que se deixa pouco a pouco se educar e que faz intuir novos caminhos para adivinhar necessidades e possibilidades. Sei que nem sempre é fácil rezar. Há momentos, porém, que a oração deixa de ser proferida para ser vivida: não dizemos uma oração, mas nós nos tornamos oração. Espero que a dor, experimentada nestes tempos de pandemia, seja superada por essa oração. Espero também que a morte seja superada pela esperança da ressurreição. Com efeito, a ressurreição não é a negação da dor, mas a sua superação.

Desejo permanecer presente e compartilhar com você as apreensões em relação ao futuro e a confiança em Deus; os momentos de exasperação e o recurso ao bom humor; as tentações de inveja e de suspeita de injustiça e a magnanimidade das aspirações que a fé inspira. Renovo meu compromisso de rezar e de pedir as orações daqueles com quem compartilho a mesma amizade e fé.

Faço agora calar as palavras para poder permanecer ao lado de você num silêncio feito só de oração e de súplica confiante.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquiocese de Sorocaba.