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Suicídio

22 de Setembro de 2018 às 13:39

Suicídio Crédito da foto: Vanessa Tenor

Aldo Vannucchi

Na curiosidade da infância, duas vezes corri ao Sorocaba Club, por causa de velório de membros de famílias distintas do centro da cidade. Uma vez foi de um rapaz de 20 anos que se suicidara. Lembro-me da sua tia a repetir: “Coitado, na flor da idade!”. Outra vez, o impacto foi maior. Velava-se a mulher de um médico. Suicidara-se também e fora vestida toda de azul, da cabeça aos pés. A mãe a quis parecida com Nossa Senhora!

Naquele tempo, não havia o CVV, o nosso benemérito Centro de Valorização da Vida, que está, nestes dias, intensificando suas atividades de previsão de suicídios, com o “Setembro Amarelo”, o amarelo cor da vida, da luz e do sol.

O suicídio tem definição fácil. É o ato pelo qual a pessoa se causa a própria morte. O difícil é explicá-lo. Se o poeta resumiu o consenso universal chamando a morte de “a indesejada das gentes”, o suicida o contraria, porque a corteja e a abraça, sem viravolta. Subjetivamente, o suicídio pode ser uma decisão escusável. Como, de fora, perscrutar e julgar o início e o fim desse drama gestado nas profundezas de uma consciência humana? Mas, objetivamente, o suicídio vai contra o amor, o amor de si mesmo, o amor de Deus, doador da vida, e o amor da própria sociedade, berço natural do ser humano, pois ninguém vive para si mesmo, como também ninguém morre para si mesmo.

São assustadores, portanto, os números que a Organização Mundial da Saúde acabou de apresentar, ao definir 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. No mundo, há um suicídio a cada 40 segundos, e no Brasil, a cada 45 segundos, com a agravante de que provocar o fim da própria vida está entre as causas principais de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

Diante desse quadro sombrio, volto a repensar a sempre citada afirmativa de Albert Camus: “Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia”. E ele está certo, porque o ato intencional de matar-se a si mesmo é uma afirmação do ser pela qual a pessoa nega seu ser. Seria mais racional valorar o sentido da vida, onde pulsa o mais forte dos instintos humanos, a autoconservação.

A possibilidade e a eficácia dessa análise ocupam amplos estudos da psicologia e da medicina mental, que explanam o tratamento e a prevenção do suicídio, a partir do levantamento de suas causas, como o desemprego, os rompimentos amorosos, o abuso de drogas, o alcoolismo, uma desgraça financeira ou política irreversível, uma doença sem perspectivas, ou ainda o próprio tédio de existir. No fundo, o suicida é sempre alguém na tentativa desesperada de escapar ao que lhe parece o absurdo de continuar vivendo.

O mais triste, nessa situação traumática, é que o próprio apoio de uma crença se obscurece e tudo cai destroçado, na voragem das mais fundas desilusões. A criatura, imagem e semelhança divina, perde a consciência da sua origem superior e, transtornada, exclui si até o socorro sempre pronto de Deus.

Aldo Vannucchi é mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia. Autor de diversos livros, foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (Fafi) e reitor da Universidade de Sorocaba (Uniso) -- [email protected]