Se fosse bom

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Leandro Karnal

Você já deve ter ouvido e dado bons conselhos. Um amigo que está em crise no casamento, uma filha que discute o vestibular, um aluno que pensa sobre estratégias de pós-graduação: são muitas as ocasiões para sugerir, recomendar, mostrar benefícios e conveniências de uma escolha.

Persuadir alguém do melhor caminho e a partir da posição privilegiada de olhar o tema de fora é, de fato, um exercício de elevada estatura ética. Quem está imerso no drama possui menos clareza. Um olhar externo ilumina com força.

O tema é poderoso. Dar bom conselho é uma obra de misericórdia espiritual. Os católicos veneram, desde o final do mundo antigo, Nossa Senhora do Bom Conselho. A ladainha da Virgem invoca a virtude como atributo central da Mãe de Jesus. Dante colocou os maus conselheiros na oitava vala do oitavo círculo do Inferno, ou seja, entre os mais graves pecados cometidos em vida.

Os infratores são punidos por chamas eternas e raios. Ali, no chamado círculo da fraude (Malebolge), o poeta e seu guia encontram o célebre guerreiro Ulisses. Conselheiros fraudulentos pagam caro pela ação.

Sempre é bom ouvir conselhos sábios e, de quando em vez, oferecer alguma luz a quem solicita. Você, minha querida leitora e dileto leitor, também já deve ter enfrentado a situação de oferecer uma generosa direção a alguém e a pessoa agradecer, emocionada. Para, logo em seguida, ignorar por completo as diretrizes dadas. Aconselhar é uma enorme generosidade; acatar ou não é mais aleatório.

No famoso texto de divulgação “O existencialismo é um humanismo”, Jean-Paul Sartre diz que escolher quem irá nos aconselhar é definir a resposta desejada. Por exemplo, se sou católico e desejo tomar uma posição na França ocupada pelos nazistas, devo procurar um padre que me oriente. Porém, diz o filósofo: há padres colaboracionistas, oportunistas e os que militam na resistência.

Não se trata de má-fé que condenasse o religioso ao oitavo círculo apenas da subjetividade de cada um: um padre da resistência, por exemplo, aconselharia, provavelmente, que a luta contra os fascistas era um ato de entrega a Deus e de atingir o Paraíso moral.

Um padre colaboracionista poderia talvez, insinuar que o Reino de Deus não é deste mundo e que deveríamos dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus e que o terror do governo invasor era um castigo pelos pecados dos franceses. Caberia orar e jejuar, jamais pegar em armas.

Como escreve o companheiro de Simone de Beauvoir: “Você é livre, isto é, invente”. Não existem sinais no mudo. Cada um de nós existe como “condenado à liberdade” e a busca do conselheiro é um exercício da minha autonomia. A realidade, diz o existencialista, só existe na ação, o homem é o seu próprio projeto.

Além da pessoa que nos ouve e não segue nossa recomendação, existe a que fica explicando até que você diga o que ela quer ouvir. Enquanto seu conselho não for moldado pelo desejo do ouvinte, ele dirá que você ainda não entendeu o ponto de vista exposto.

Mais do que conselho, é o caso de alguém que quer chancela sobre decisão já tomada. Vou lhe dar um “conselho” para tais ocasiões: não perca tempo e diga logo o que a pessoa quer ouvir. Ela agradecerá e sorrirá dizendo: “Você é muito sábio!”.

A sabedoria da rua e dos caminhoneiros anuncia que, se fosse bom, conselhos não seriam dados de graça. É um pensamento muito capitalista. “Um grama de exemplo vale mais do que uma tonelada de conselhos”, assevera outro adágio.

O sempre cáustico La Rochefoucauld anuncia que os mais velhos dão muitos conselhos para se redimirem de ter dado maus exemplos na juventude. Pulsante em ardores, a grande Adélia Prado reclama que recebe mingaus, caldos quentes e conselhos e, o que ela deseja de verdade, é a “ponta sedosa do teu bigode atrevido, a tua boca de brasa”. Talvez seja a essência poética da transgressão que derruba prudências e caldos: o desejo.

Tocamos na contradição essencial do tema. Quem pede conselhos não costuma transbordar em clareza analítica ou autonomia de julgamento.

Se possuísse tais dons, não necessitaria da análise alheia. Não sendo pessoa sábia, terá poucas condições em aceitar e seguir a indicação dada. Assim, resumindo, quem precisa de conselho não consegue segui-los ou avaliar sua adequação.

Encerro com uma opinião bem subjetiva. Um irmão meu que já tinha a experiência da separação, foi procurado por outro irmão que estava no transe doloroso de pedir o divórcio. O irmão procurado nos disse que não tinha moral para aconselhar sobre casamento, afinal, desfizera o primeiro.

Eu redargui: ele era a pessoa ideal para indicar caminhos no momento difícil da crise do casamento. Um bom conselheiro tem tal virtude: não se coloca em patamar elevado.

Ele pratica a compaixão e exerce empatia. Somente com o espelho de uma pessoa que já passou pelo que nos desnorteia no momento, podemos ter mais clareza.

Isso diminui a assimetria da ocasião e, não sendo apenas um exercício quase didático de analisar, tornasse um fluxo duplo de riscos e dores compartilhadas em espelho sábio. Prefiro conselheiros com cicatrizes. Boa semana para todos nós.

Leandro Karnal é historiador e escritor.