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Quando jogar a toalha?

20 de Outubro de 2019 às 00:02

Quando jogar a toalha? Crédito da foto: Reprodução / Wikimedia

Leandro Karnal

Pirro venceu os romanos a um custo muito alto: perdeu quase todos os seus homens e muito dinheiro. A tradição registra que ele teria comentado que “mais uma vitória como esta e eu voltaria ao Épiro sozinho e arruinado”. Uma “vitória de Pirro” tornou-se sinônimo de êxito tão custoso que beira uma derrota. Em algumas palestras motivacionais, seria mostrado como exemplo de sair da zona de conforto. Nossa concepção de sucesso atual pode estar no título do antigo filme do lutador Jean-Claude van Damme: “Retroceder nunca, render-se jamais” (“No retreat, no surrender”, Corey Yuen, 1986). Parece a fórmula universal: o vencedor é o que nunca desiste.

Queria pensar de forma menos plana. Uma das questões mais claras da estratégia é saber o momento da rendição. As vitórias importantes costumam ser custosas. Todo professor, pai, orientador, coach, tutor que tem sob seu cuidado alguém mais jovem ou menos experiente, por natureza, deve estimular a pessoa ao esforço máximo. Nenhum orientador pode ser pessimista, azedo, fatalista ou afirmar que é melhor não tentar. Tentar e dar o máximo de si é o caminho mais claro para conseguir algo. Porém, quando seria sábio retroceder, recolher as tropas, negociar com o inimigo ou agitar a bandeira branca? Essa é uma questão complexa.

O celebrado texto de Maquiavel indica que um caminho é pensar sempre em todas as possibilidades, mesmo que não seja tempo de guerra. “Um príncipe sábio deve observar essas coisas e nunca ficar ocioso nos tempos de paz; deve, sim, inteligentemente, ir formando cabedal para que se possa valer nas adversidades, para estar sempre preparado a resistir-lhes.” (“O Príncipe”, cap. 14, trad. Lívio Xavier, ed. Nova Fronteira). Sun Tzu, no texto da “Arte da Guerra”, indica que sejamos fluidos como a água, evitando repetir estratégias. Devemos, diz o oriental, evitar o entusiasmo excessivo em enfrentar a morte e o cuidado exorbitante em conservar a vida (dois dos cinco defeitos que ele identifica no capítulo 8. L&PM, 2006).

E se a vitória for uma questão de insistência? O mundo parece sempre insistir no ponto da obstinação como fonte do sucesso. Mais desafiador: e se a vitória for saber desistir de algo que se manifestou impossível, “uma bananeira que já deu cacho”, “dar murro em ponta de faca”? Como saber qual o momento sábio de retirar seu time de campo? Qual o casamento que merece uma restruturação e qual é caso de pedido de divórcio? Qual o negócio que precisa de mais capital, de uma redefinição estratégica, de mais energia gerencial ou qual deve ser repassado ou encerrado o mais cedo possível?

Não existe segurança absoluta. A reflexão é a mesma de Pirro do Épiro. Se o investimento for mais do orgulho ou da estratégia, parece prudente desistir. Orgulho pesa pouco na balança do real. Lista de prós e contras e custo do fracasso são um jeito racional de enfrentar o “ser ou não ser” de todas as escolhas. Aconselhamento com pessoas um pouco mais imparciais traz uma luz de objetividade. Não vale a mãe nem um inimigo. Por fim, o campo pantanoso da intuição.

O que significa seguir intuição? A razão oferece diversas peças do quebra-cabeça. Com observações diretas e demonstráveis, você traz muita luz para o quadro. Sempre ficam peças faltantes. Estas não saem do nada, no entanto dialogam com as peças racionais visíveis e completam-se com seu desejo, experiência e esperança. A reunião dos três últimos é denominada intuição. A intuição não é um dom, algo que alguns têm, fruto de algum sonho profético ou carga genética. Intuição é a capacidade imaginativa de preencher espaços em branco a partir de dados racionais e empíricos. Quando alguém afirma que: “Minha intuição está me dizendo que...” está dizendo que o total de indicações racionais levou a um caminho interno de opção. Intuição não é “voz interior”, todavia imaginação a partir de dados empíricos e verificáveis.

Dito isso, chegamos ao ponto. Quando é bom desistir? Os dados objetivos, verificáveis mostram algo para isso. Você nunca terá todas as informações.

Sempre faltam peças. Caso não estivessem faltando, a decisão não comportaria dúvida alguma. O erro sempre ronda qualquer decisão, não obstante o cuidado em dimensionar uma maior quantidade de dados variáveis ou informações. Desistir de um curso superior? Desistir de uma sociedade? Desistir de um casamento?

Você terá de pensar de forma objetiva, intuitivamente e, por fim, levar em conta suas afinidades eletivas, afetivas, seu gosto, sua disposição. Após todas as considerações, arcar com o ônus da decisão. O máximo que pode acontecer é dar tudo errado e, na próxima resolução, você terá mais elementos para decidir. Considerando a perspectiva da História, pense bem: os romanos derrotados por Pirro, o vitorioso rei do Épiro, tudo o que testemunhou aquele momento está sob a terra ou desapareceu. Sob o prisma do tempo, todas as decisões resultam no mesmo. Isso pode ajudar a ficar mais leve e fazer a melhor escolha. Tudo é importante em seu momento, tudo desaparecerá a seu tempo. Vá fundo e melhore bastante para que todos os erros sejam, ao menos, inéditos. Erros novos são legais, velhos erros repetidos são burrice. Boa semana para todos nós. Não desistam!

Leandro Karnal é historiador e articulista da Agência Estado.

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