Buscar no Cruzeiro

Buscar

Quando eu crescer, quero ser presidente

15 de Novembro de 2020 às 00:01

Quando eu crescer, quero ser presidente Crédito da foto: Reprodução / Internet

Leandro Karnal

Dia da República! Permita-se imaginar: seu filho adolescente o surpreende com aspiração incomum. “Pai, quando eu crescer, quero ser presidente. Posso?” A pergunta, à queima-roupa, merece reflexão. A frase “Onde será que eu errei na educação deste menino?” é lícita, mas deve ser evitada. Agora é tarde: o filho é seu e está demandando uma resposta.

De forma tranquila e jurídica, diria que sim, já que ele é brasileiro nato. Pela regra atual, o rebento apenas deve esperar até ter atingido 35 anos. A medida já mostra uma desconfiança do eleitorado: mesmo que os brasileiros amem muito alguém de 32 anos, devem esperar pela idade protocolar. Não se deve deixar tudo ao acaso ou na cartola das urnas, devem ter pensado. Seu filho tem 15? Faltam 20 anos para a candidatura oficial. Com sorte, em 2040, você não estará mais aqui ou ele já terá mudado de ideia. Para aumentar sua tranquilidade, nunca alguém assumiu a Presidência antes dos 40 anos. Você terá bônus de mais cinco. O Império tinha jovens, a República é dominada por senhores. Pedro I não tinha 24 anos quando gritou no Ipiranga. O filho dele ainda não apagara as velinhas do bolo de 15 anos ao aceitar o golpe da maioridade.

O resto da resposta é mais complexo. Consideremos o número oficial: o atual presidente é o 38º da República iniciada em novembro de 1889. Uma mulher e 37 homens: seu filho tem chances matemáticas fortes. O menino é branco: só houve um presidente negro no Brasil, Nilo Peçanha, e ainda assim subiu ao poder porque o titular faleceu. Homens brancos constituem boa aposta para o cargo pelos precedentes.

Seu herdeiro é católico? Boa escolha religiosa. Somente dois presidentes não o eram: Café Filho e Ernesto Geisel e nenhum dos dois foi eleito como titular do cargo pelo voto popular. Aparentemente, gente de fé reformada só entra com suicídio do titular ou colégio eleitoral. Café Filho também foi o único jogador de futebol profissional a virar presidente, logo, bola e protestantismo devem ser evitados.

Ao final do ensino médio, o menino deve ser dirigido para o curso de Direito ou para um quartel. São as duas profissões mais abundantes no Executivo Federal. Médicos como Juscelino Kubitschek, sociólogos como Fernando Henrique Cardoso, sindicalistas como Lula e engenheiros como Itamar têm menos chances matemáticas. Se quiser aumentar muito a chance, que tal um advogado militar? Dobra a aposta.

Ele nasceu em São Paulo? Difícil avaliar se conta a favor. O atual presidente nasceu no Estado. O anterior, Temer, também. Teríamos de retroceder a um caso complexo, Ranieri Mazzilli, para obter outro nome paulista, no problemático ano de 1964... Ele foi o primeiro filho de imigrantes não portugueses a subir ao cargo, porém, em situação atípica e por pouco tempo. Minas e Rio de Janeiro contam. Alguns municípios como São Borja (RS) parecem dar mais sorte. A República começou com dois nordestinos, talvez ajude. Há o caso único de Itamar Franco, que nasceu no mar. É possível vir ao mundo em um Estado da Federação e fazer carreira em outro: é o caso de Washington Luiz, Jânio Quadros, Lula, Fernando Henrique e Bolsonaro.

Quer carreira longa? Getúlio é um bom guia. Na República, foi a pessoa que passou mais tempo no poder. Na história do Brasil, só perde para d. Pedro II. Evite Três Corações, em Minas Gerais. Na terra de Pelé, nasceu Carlos Luz, que governou o Brasil por três dias.

Faculdade conta a favor no cacife presidencial, porém, o de maior popularidade não tinha diploma. Doutorado? Temer e FHC tiveram. Em algum momento isso apareceu como argumento político, porém não parece ser obstáculo intransponível. Jânio Quadros era advogado, todavia deu aulas de geografia e de português. O público quer, hoje, mais comunicação do que gramática normativa. Em vinte anos, pode se intensificar o desejo. Definitivamente, o cargo não é de eruditos.

Como exercício de vaidade, teste o nome do seu filho como futura fonte para homenagens. Três municípios levam o nome ligado a Campos Sales. Quatro indicam alguma honra relacionada a Venceslau Brás. Algumas homenagens ficaram ambíguas. No Amazonas, temos o município de Presidente Figueiredo. Um exame mais atento revelará que o homenageado não é o último presidente do período militar, todavia o presidente da província do Norte: João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. Virar nome de praça, município ou rodovia não deveria ser a aspiração principal do seu menino.

Depois do mandato, o rapaz deve ser orientado a evitar aviões. Nereu Ramos e Castello Branco tiveram fim em desastres aéreos. Carros também podem ser perigosos: Juscelino faleceu na Via Dutra. Após a Presidência, o ideal são passeios a pé pelos jardins.

A vocação política é específica, como lembrava Weber. Seu filho poderá ter as lideranças carismática, tradicional e legal reunidas em uma só pessoa. Porém, você pode incentivar o jovem a uma carreira na taxidermia, uma linda jornada de preservação dos animais. Não será tão atacado, terá anos muito produtivos e parece ser um campo promissor com a moda de “empalhar” animais de estimação. Ninguém odeia taxidermistas. Não há denúncias nos jornais e jamais houve impeachment na área. Há um debate sim, sobre museus de História Natural, porém a profissão segue. Por fim, lembre a seu filho: em uma noite de luar, sob o calor do verão, quando ele tentar seduzir a futura esposa com uma frase de efeito, dizer que estuda taxidermia provoca, ao menos, uma interjeição: “Hein???” É o início de uma boa conversa. Boa semana para todos nós que continuamos “bestializados” na República.

Leandro Karnal é historiador e escritor.