Qual o significado do Consenso de Genebra?

Por

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

Os Estados Unidos da América (EUA) assinaram no dia 22 de outubro, o Consenso de Genebra. Trata-se de uma declaração internacional contra o direito universal ao aborto. O Brasil, juntamente com Uganda, Hungria, Egito e Indonésia são cossignatários do Consenso. Além desses países, 27 Estados autoritários também assinaram a declaração, como Bielorrússia, República Democrática do Congo, Paquistão, Kuwait, Haiti, Emirados Árabes, Iraque e Senegal, entre outros.

Na Polônia, o Tribunal Constitucional restringiu ainda mais o direito ao aborto, sendo um país católico romano com umas das leis mais severas contra o aborto na União Europeia. Mesmo no âmbito do conservadorismo religioso, faz-se mister observar a declaração do papa Francisco sobre a necessária legislação para a “união civil de homossexuais”. Esse posicionamento do papa é de alta relevância, tendo em vista que a Santa Sé, chefiada pelo papa e a Cúria da Igreja Católica Apostólica Romana, é o único ente religioso dotado de personalidade jurídica internacional. A Santa Sé, portanto, é sujeito de direito internacional, possuindo capacidade para celebrar tratados internacionais, bem como ser membro de organizações internacionais, entre outras prerrogativas.

Por essa razão, a análise de uma postura conservadora por parte de Trump, não deve ser observada sob uma ótica generalista religiosa, sendo que o debate sobre temas polêmicos envolve várias nuances. Embora alguns países compartilhem uma política conservadora, os diferentes temas merecem análise em separado. Obviamente, o aborto fere dogmas religiosos. Entretanto, em países com forte influência religiosa, é também possível observar um movimento de maior dinamismo para assuntos controversos. No caso dos Países Baixos, construídos sob uma doutrina calvinista, reconhecidos por sua política de tolerância e legalização do aborto ainda na década de 70 do século passado, há de se observar que a religião exerceu impacto fundamental acerca de temáticas vistas de forma muito conservadora pelo resto do mundo.

O Consenso de Genebra não impõe uma obrigação, não sendo parte do chamado jus cogens do direito internacional. Sem embargo, faz parte de uma agenda conservadora do presidente estadunidense, de modo a governar para seus eleitores evangélicos. O objetivo do consenso é promover a saúde da mulher e fortalecer as famílias, não obstante os cinco países considerados os melhores para as mulheres viverem não assinaram o Consenso de Genebra. Os cinco países considerados com melhor qualidade de vida para o gênero feminino são Dinamarca, Suécia, Países Baixos, Noruega e Canadá, em conformidade com a lista do “Best Countries Rankings”, sendo que nenhum assinou a declaração proposta por Trump.

É importante ressaltar que em 2018, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) incluiu o acesso ao aborto em sua lista de direitos universais. Portanto, a posição da ONU baseada em pesquisa científica, e análise de dados, verifica a importância do acesso ao aborto, especialmente quando analisados os índices de países em desenvolvimento, e o maior número de óbitos e mutilações em mulheres em maior estado de vulnerabilidade. O Consenso de Genebra deve ser contextualizado com a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, da Suprema Corte dos Estados Unidos, no dia 18 de setembro. Cofundadora do “American Civil Liberties Union’s Women’s Rights Project”, em português o Projeto dos Direitos das Mulheres na União Americana de Liberdades Civis, como consta em seu livro “My own words”, ou seja “As minhas próprias palavras”. A imediata nomeação de Trump para a vaga de Ginsburg de uma juíza conservadora, Amy Barret, demonstra a urgência em se dar uma reinterpretação para o tema, no caso precedente Roe versus Wade, a decisão de 1973 que reconheceu constitucionalmente o direito ao aborto.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro -- Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional -- é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.