Prudência e caldo de galinha

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Ilustração: Vanessa Tenor

Ilustração: Vanessa Tenor

A decisão do Grupo de Lima de não reconhecer um novo mandato para Nicolás Maduro na Venezuela -- aliás, por todos os motivos do mundo -- marca a volta firme e determinada da influência direta dos Estados Unidos nos rumos da América Latina, particularmente da América do Sul. Washington, que não integra o grupo, participou ativamente da articulação.

É por essas, e por muitas outras, que o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, disse em entrevista que os EUA estão ‘entusiasmados‘ com a guinada à direita na região. Para ser exata: ‘Estamos muito entusiasmados diante dessa perspectiva e vislumbramos grandes oportunidades‘.

Além das questões mais objetivas, comércio, negócios, investimentos e cooperação, essas ‘oportunidades‘ incluem uma presença política efetiva de Washington na região, com reflexos óbvios sobre posições conjuntas nos arranjos regionais, como no caso do Grupo de Lima, ou em organismos multilaterais, como a própria ONU.

Pompeo se encontrou com os presidentes Jair Bolsonaro e Iván Duque, da Colômbia, no dia seguinte à posse de Bolsonaro, ou seja, justamente dois dias antes de 12 dos 13 países do Grupo de Lima tomarem a necessária, mas igualmente audaciosa, decisão de rejeitar a manutenção de Maduro no poder. Há a versão de que ele inclusive telefonou e manifestou a posição norte-americana no meio da reunião na capital peruana.

Dos 13 países, o único a não subscrever a declaração enxotando Maduro da convivência regional foi o México, onde a eleição de López Obrador foi na contramão da América Latina. Brasil, Argentina, Paraguai e Chile e de certa forma o Equador aderiram à ‘direita, volver‘, somando-se à Colômbia e Peru, mas o México foi para a esquerda. Não, diga-se, a ponto de pular no naufrágio do ‘bolivarianismo‘.

O papel do Brasil nesse novo ambiente, tão favorável -- ou entusiasmante -- para os EUA, é decisivo. Não só como o maior, mais populoso e mais rico país da região, mas principalmente pela ascensão de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo, com Olavo de Carvalho pairando sobre eles.

Não é trivial ter um chanceler de um País dessas dimensões assumindo publicamente que só Deus pode salvar o Ocidente e seus valores cristãos e, no fim, nomear o presidente Donald Trump como esse Deus tão poderoso. Também não é nada trivial, mas sim pueril, que o presidente eleito mande o próprio filho como a cara e a voz do Brasil em visitas até a membros da Casa Branca em Washington. Os sinais são de alinhamento automático aos EUA e de veneração a Trump.

Registre-se, porém, a cautela com que Mike Pompeo respondeu sobre a conveniência e oportunidade de um alinhamento automático do Brasil aos EUA já. Em vez de fogos e comemorações, disse sóbria e vagamente que os dois países terão ‘um bom alinhamento nas suas políticas‘.

Como bastidor: antes de saber exatamente a que Bolsonaro veio e até onde pode chegar, não convém a Washington um engajamento tão simbólico com o governo que está só começando. Forte aproximação, com certeza, mas o momento é de observação, acompanhamento, para ver como as coisas caminham.

De outro lado, grandes diplomatas e especialistas em política externa lembram que nem no regime militar houve sempre alinhamento automático aos EUA. E mais: alertam que, se Bolsonaro ainda é uma incógnita aqui, Trump vive tempos conturbados lá, perdendo subordinados um atrás do outro, sob acusações de relações heterodoxas com a Rússia e leniência com a Arábia Saudita.

Logo, o melhor é também observar e acompanhar, até por reciprocidade subjetiva. Como diziam nossas velhas tias, ‘prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém‘. Taí, elas dariam boas diplomatas.

Eliane Cantanhêde é jornalista da Agência Estado e escreve para o Cruzeiro do Sul