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Por que insistimos em tapar os olhos para grandes empresas?

20 de Novembro de 2018 às 00:01

Jocy Ana Paixão de Sousa

com Marina Madid Micheletti Caetano

É muito comum algumas grandes empresas, principalmente internacionais, chegarem no Brasil e acharem que podem fazer o que bem entender. Apoiadas por incentivos recebidos de governos se tornam destemidas e isso se reflete em várias consequências, sobretudo na incapacidade do governo em puni-las corretamente quando provocam danos ambientais. Quantos desastres ambientais já ocorreram no Brasil e as empresas responsáveis sequer cumpriram com o mínimo, que é dar suporte às populações diretamente afetadas e recuperar os danos ambientais?

É justamente nos desastres que queríamos chegar. Em fevereiro deste ano, ocorreu na cidade de Barcarena, Estado do Pará, o vazamento de rejeitos de bauxita provenientes da mineradora norueguesa Hydro Alunorte. E muitos nem ouviram falar.

A bauxita é um minério de cor avermelhada e a partir dela é produzida a alumina (óxido de alumínio) e de onde finalmente extrai-se o alumínio. Porém, para a produção de alumina são gerados rejeitos na forma líquida que são armazenados em bacias, ou seja, enormes tanques, sem nenhuma perspectiva de utilização.

O Brasil encontra-se na terceira posição em produção de bauxita, produzindo cerca de 39 milhões de toneladas anuais, perdendo apenas para Austrália e China com aproximadamente 83,5 e 68 milhões de toneladas, respectivamente. De acordo com a Associação Brasileira de Alumínio (Abal), o Estado do Pará é um dos maiores produtores de bauxita destinados ao uso metálico. Atualmente sua produção corresponde a 91%.

Logo, é fácil prever porque existem tantas mineradoras nesse Estado, uma delas é a citada anteriormente, a Hydro Alunorte, que atua há mais de 20 anos. Esta era a responsável pela barragem rompida em Barcarena e que contaminou principalmente os rios e igarapés do entorno, como os rios Murucupi e Pará. Porém, a empresa, a princípio, negou os fatos delongando assim as providências necessárias para tentar minimizar os danos.

Houve muitas mortes de peixes, cerca de 400 famílias ficaram sem água potável e parte da população ribeirinha apresentou sérios problemas de saúde. O laudo realizado pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) confirmou o vazamento e que a água apresentava alto nível de metais pesados, como o chumbo (Pb). Vale ressaltar que algumas pesquisas apontam a relação entre o chumbo com incidência do câncer.

O que foi mais agravante nesse caso foi que depois descobriu-se dutos clandestinos para eliminar os resíduos de bauxita e que também não havia sistema de alarme caso viesse acorrer um rompimento da barragem. Agora, para e pensa leitor: há quanto tempo a população vem sofrendo com a negligência e sendo contaminada? Tendo seu direito negado a uma água de qualidade? Pois é, justamente quem paga o pato é povo diante de tanta negligência.

E o que foi feito por parte do poder público? Solicitou a suspensão de 50% das atividades da mineradora, determinando que funcionasse apenas com uma das duas bacias de rejeitos, porém não deixou claro a exigência de uma compensação ambiental.

Em outubro deste ano, a empresa informou que iria suspender suas atividades e o principal motivo era não conseguir operar apenas com uma bacia de rejeitos. O advogado de defesa das comunidades impactadas disse que isso demonstra a incapacidade da empresa em operar na legalidade.

Já está na hora do Brasil deixar de ser terra sem lei. Não é porque vai ser viável economicamente que algumas empresas podem fazer o querem e que o governo vai fechar os olhos quando ocorrerem os impactos ambientais. Tem sim que melhorar a fiscalização e, se necessário, punir, porque senão as consequências para o meio ambiente e para a população podem ser irreversíveis e quem arca com os ônus do descaso somos todos nós.

Jocy Ana Paixão de Sousa é engenheira florestal e doutoranda em Ciências Ambientais pela Unesp-Sorocaba ([email protected]). Marina Madid Micheletti Caetano é engenheira ambiental e mestranda em Ciências Ambientais pela Unesp-Sorocaba ([email protected]).