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Por que as doenças voltam?

30 de Janeiro de 2019 às 13:39

O reaparecimento de certas doenças acontece em virtude de numerosos fatores, tais como abandono das medidas de prevenção e controle, disseminação rápida de certos agentes pela globalização, desequilíbrio da natureza, queda das defesas do organismo pelo envelhecimento, condições socioeconômicas da população e falta de decisão política. Como, por exemplo, a febre tuberculose, malária, dengue, cólera, sarampo, rubéola, hanseníase e as meningites. O nosso país nunca conseguiu erradicar totalmente a febre amarela silvestre, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, enquanto a forma urbana não existe desde 1942. O ano 2000 começou com a explosão da forma silvestre e retorno da forma urbana no Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo (São José do Rio Preto). A febre amarela vinha dando sinais de recrudescimento há 5 anos, com aumento de casos em macacos, sem qualquer ação preventiva das autoridades sanitárias, como vacinação em massa da população, educação sanitária e combate sistemático ao mosquito urbano (Aedes aegypti), pois o Haemagogus spegazzinii, da forma silvestre, é praticamente impossível de se erradicar pela extensão das florestas. Apesar disso, o que fez o governo? Simplesmente recusou a readmissão dos técnicos de combate às zoonoses, da Fundação Nacional de Saúde.

A peste branca (tuberculose) infecta 90 mil indivíduos por ano, sendo que 40 mil vão morrer nos próximos anos, por falta de diagnóstico, pobreza e desestruturação do serviço público de saúde (extinção do Serviço de Combate à Tuberculose) no governo Collor, demissão de guardas e funcionários da Sucam e da Fundação Nacional de Saúde. As enfermidades que reduzem a defesa do organismo, como a aids, os movimentos migratórios e o envelhecimento da população também contribuíram para o recrudescimento da tuberculose. Segundo a Organização Mundial da Saúde, que classificou a doença de “emergência global” devido a seu rápido crescimento, nem mesmo os países ricos podem se considerar livres da peste branca.

Há muito tempo o nosso país convive com índices obscenos de malária (600 mil casos / ano), sendo 90,7% deles na região amazônica. Não existe vacina contra a malária, por isso as ações de saúde voltam-se para o diagnóstico e tratamento precoce dos pacientes com sintomas suspeitos de febre palustre. Além do tratamento, a Fundação desenvolve campanhas de combate ao vetor (mosquito do gênero Anopheles), com inseticidas a larvicidas. Em relação a dengue e à cólera, as estatísticas continuam altas (191 mil casos de dengue e 10,3 mil notificações de cólera). Para acabar com a dengue é preciso eliminar o mosquito, que já existe do norte ao sul do país, enquanto que com a cólera o problema é de infra-estrutura sanitária (tratamento da água e esgoto). Tão contagioso quanto a tuberculose, o sarampo e a rubéola também preocupam.

Em 1997. o país viveu uma epidemia de sarampo, com 54 mil casos e 61 mortes, caindo para 9,4 mil em 1999, com 21 mil casos de rubéola. Tal recidiva ocorreu pela redução da cobertura vacinal e rapidez na disseminação dos vírus. Na última epidemia de sarampo, o vírus veio da Itália para São Paulo, onde encontrou na alta concentração da população condições ideais de disseminação.

Atualmente, o sarampo foi praticamente banido. Tudo isso acontece porque o crescimento dessas doenças é inversamente proporcional aos investimentos na saúde. A Inglaterra investe 10 vezes mais em saúde que o Brasil, que tem uma população três vezes maior. Desta forma, a volta das epidemias reflete a falta de compromisso do nosso governo com a qualidade de vida de seu povo, submetido a condições desumanas, talvez as mais injustas do planeta. Não é exagero afirmar que os brasileiros estão morrendo por total desatenção do serviço público. Com efeito, a guerra contra o mosquito Aedes está quase perdida e, em muitos Estados a situação está fora de controle. O mesmo se diga em relação a malária, dengue, esquistossomose, etc. Em 1999, cerca de metade dos recursos orçamentários para a saúde foi liberado, sendo o restante destinado ao pagamento de juros de nossa dívida externa.

O mesmo desvio de verbas ocorreu com o imposto sobre o cheque, que deveria ter sido aplicado totalmente na saúde. Portanto, a erradicação das doenças é consequência direta da decisão política, como aconteceu com a paralisia infantil, hoje totalmente erradicada em nosso território. O trabalho do sanitarista Oswaldo Cruz no controle da febre amarela só obteve sucesso porque no ínicio século o país tomou a decisão de combater a doença. Aliás, o retrocesso que estamos observando, com a volta das velhas enfermidades, reflete o descaso das nossas autoridades para com a saúde do povo. Autoridades estas escolhidas por nós.

Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.