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Pode parar? Faz tempo que parou

29 de Março de 2020 às 00:01

Carlos Brickmann

A propaganda do governo federal diz que o Brasil não pode parar. Mas, onde deveria estar andando, já que não depende de quarentena, não anda. O Estado de S. Paulo levantou os dados e mostra que 64% dos recursos que o governo federal anunciou para combater a pandemia são apenas anúncios. Em muitos casos, o governo nem enviou as medidas ao Congresso. Em outros, sem articulação, não conseguiu encaminhar a votação.

Dos R$ 308,9 bilhões prometidos, R$ 197,5 bilhões são só da boca para fora. Não estão em nenhuma proposta. O que foi feito é o que ajuda empresas: flexibilização de normas trabalhistas, crédito, adiamento de tributos. Medidas de proteção às famílias de baixa renda não existem de fato. São pura fantasia. Houve também auxílio a Estados e municípios. A única medida de auxílio à baixa renda foi iniciativa do Congresso: um vale mensal temporário de R$ 600,00 a trabalhadores informais. O governo tinha falado em R$ 200,00 -- só falado. O Congresso aprovou R$ 500,00 e, com base numa frase de Bolsonaro, de que R$ 600,00 seriam aceitáveis, ampliou o vale.

E o superministro Paulo Guedes, do superministério da Economia, saiu de Brasília (o serviço do hotel estava ruim, explicou) e foi para sua casa no Rio, onde, segundo disse, trabalha o tempo inteiro, em ligação total com sua equipe (a que deveria redigir os projetos). Mas ninguém é de ferro: na quinta, às 17h30, Sua Excelência foi fotografado passeando na orla marítima.

Projetos em quarentena

Lembra do repasse do PIS/Pasep para o FGTS, para permitir novos saques no Fundo? São R$ 21,5 bilhões. Como o governo não conseguiu decidir quem será contemplado, não enviou a medida.

A redução à metade, por três meses, da alíquota dos impostos do Sistema S, algo como R$ 2,2 bilhões, foi anunciada há uns 15 dias e não foi proposta.

A antecipação do calendário do abono, R$ 12,8 bilhões, não saiu.

Os R$ 36 bilhões, parcela do seguro-desemprego de quem sofrer redução de jornada e salário ou suspensão de contrato; o envio de R$ 4,5 bilhões do DPVAT (o seguro que se paga com os impostos do carro) para o SUS; o repasse de R$ 8 bilhões e o envio de R$ 2,3 bilhões do Censo para fundos estaduais e municipais de Saúde; os R$ 16 bilhões em quatro meses para Estados e municípios, compensando perdas de receita; os R$ 2 bilhões para assistência social. Nada disso se transformou até agora em projeto.

Ação parlamentar

Surpresa das surpresas, quem compensa parte da inatividade do Executivo é o Congresso. Os R$ 600,00 para trabalhadores sem carteira, a antecipação de R$ 300,00 para quem espera o Benefício de Prestação Continuada (BPC), suspensão de dívida de Estados e municípios com bancos públicos e a União, novas operações de crédito, renegociação de dívidas, todas as medidas foram incorporadas pelos parlamentares a projetos já em tramitação e por isso conseguem andar. Se dependessem do superministro, quando andariam?

Voltando alguns dias

A história do teste para coronavírus do presidente Bolsonaro continua sem explicação. Seu filho, Eduardo, aquele que fritava hambúrgueres numa lanchonete que não servia hambúrgueres, foi citado pela Fox News como fonte da informação de que o presidente tinha testado positivo. Se o repórter tivesse inventado a notícia, por que citaria Eduardo como fonte? Só para ser desmentido? E numa rede totalmente favorável a Trump, logo simpática a Bolsonaro? Não, não deve ter inventado nada, não.

E por que o desmentido? Talvez porque o presidente cultive a imagem de Superman, o mito que sobreviveu a uma facada, que tem passado de atleta, que não é vulnerável a doenças e para quem o coronavírus provocaria só “uma gripinha”. A propósito, por que o Hospital das Forças Armadas revelou o nome de todos os contaminados na viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, menos dois? Seria essa revelação a kriptonita do Superman?

Se Bolsonaro tivesse testado positivo e mentido, não seria problema aqui, espera-se que político minta mesmo. Mas juntar-se a seus fãs, tocando-os, fazendo selfies, isso seria grave. Claro que, se o teste foi mesmo negativo, esse raciocínio é vão. Mas quem seriam as pessoas contaminadas que, para o Hospital das Forças Armadas, merecem o sigilo que os outros não tiveram?

Apoio total

O engenheiro Lucio Ravizza, assíduo leitor desta coluna, pede apoio ao projeto 646/2020, que transfere para o SUS o bilionário fundo de campanha eleitoral deste ano são R$ 2 bilhões, ou mais. “O projeto deve ser aprovado em regime de urgência. E sugiro que se adiem para 2021 as eleições municipais. Que todos o dinheiro para realizá-las seja destinado a combater o coronavírus. Podemos suportar mais um ano dos atuais prefeitos e vereadores, mesmo porque não creio que, trocando algum dos atuais, teremos melhoras”. Em vez de pagar campanhas, dinheiro para a Saúde!

Carlos Brickmann é jornalista. E-mail: [email protected] - Twitter: @CarlosBrickmann.