Paz e amor
Neusa Gatto Pereira
Cada dia que passa, sou mais hippie, pensa ela se olhando no espelho. Das antigas, claro. Com filosofia e prática do” paz e amor”. Sorri. Daqueles tempos da guerra fria e bomba nuclear nas manchetes todos os dias. Ameaças, discussões, espionagens. Sangue fervendo. Orgulho nas tampas. Enfrentamentos.
O mundo perto do fim com um simples “boom” atômico. As manifestações contra o conflito do Vietnã. No meio do caos, os “ripongas”. Pejorativamente lá estavam eles. Firmes em sua filosofia. Corajosos em suas metas. Força importante para engrossar fileiras contra a tensão mundial. Era, desse tempo que matusquelava.
Hoje, pensa, a guerra é outra. Quente. Fervendo em tecnologias de informação! Fotos, vídeos, notícias, serviços. Mapas, pesquisas, levantamentos, opiniões, criticas, ideias, sugestões, politicagens, crimes, assédios, corrupção. Produtos, marcas, serviços, crédito, remédios milagrosos, ofertas de juventude, beleza... força sexual. Pesquisas, estatísticas, levantamentos, análises, opiniões, críticas, sugestões. Crimes, crimes e mais crimes. Cada vez mais contra as mulheres em atitudes covardes. A insegurança transmitida na ponta da faca ou na bala que dispara. A ira emocional transformada em veneno. A escuridão do intelecto. Uma pré-história feminicida inserida num mundo de faíscas digitais.
Um contraste que a assusta. Respira fundo. O mundo acelera o coletivo e perde no individual. Eis a questão. O individual, cada vez mais coletivo. E vale a pena? Um dia pensa nisso.
Toma um gole de vinho. Uma olhada na TV. O gato que dorme enrolado no sofá. Seus livros. Seu espaço. Seu mundo. Onde as runas, em noites mais introspectivas, dão os rumos.
Pinta os olhos. Uma nova e boa sensação. Não se explica. Nem requer. E, que buscas e viagens mentais tem feito. Da paz dos acertos. Consertos. Alegrias que tem e busca. Constrói-se todo dia.
Essa é uma mulher dos nossos tempos, fala pro espelho com uma careta.
Eis aí, eu, uma das mulheres do mundo que sabe das trilhas de vitórias e derrotas. Que se equilibram e ensinam. Grandes na soma. Estou filosófica hoje, reflete enquanto arruma o cabelo. Cata o gato. Olha pra ele, olhos nos olhos, diz pro bichano: e, então, gato? Você é feliz, não é? Não acha que deveriam ensinar a busca pela felicidade nas escolas?
Dá uma última olhada no espelho. Cata a bolsa. O celular e sai. Feliz, toca a vida. Como sempre fez!
Neusa Gatto é jornalista e produtora de vídeos e escreve para o Cruzeiro do Sul.