Os rescaldos do Pisa (parte 1)

Por

João Alvarenga

Na quinzena passada, prometi abordar as funções da linguagem, mas as disparidades dos resultados do Pisa de 2018, entre os alunos do ensino público e o privado, carecem de uma análise isenta de paixões. Como se sabe, o exame, de nível internacional, procura mensurar as habilidades de interpretação de textos e de linguagem matemática, com a participação de estudantes de 79 países. Segundo o relatório, o ensino particular colocaria o Brasil em 5º lugar, no ranking das escolas participantes; porém, a participação das escolas públicas deixou o País no incômodo 60º lugar, atrás de muitos.

Essa situação causou desconforto aos gestores do ensino público brasileiro. Houve muita troca de acusações entre aqueles que estavam à frente do Ministério da Educação (MEC), em governos passados, e os que respondem pelo setor neste momento. Até o presidente Bolsonaro teceu críticas e, cada um, a seu modo, procurou explicar o porquê de uma educação tão desigual em nosso País. Tentarei, aqui, expor algumas possíveis causas do comprometimento da habilidade de leitura. Primeiro: esse exame revela aquilo que já sabemos: nossos estudantes não sabem interpretar textos, pois há anos o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aponta essa deficiência. Porém, uma dúvida persiste: onde está a origem desse grave problema?

Talvez, a resposta venha de pesquisas que estão em andamento, em várias partes do mundo, pois tais limitações não ocorrem apenas no Brasil, vários países enfrentam esse drama. De forma preliminar, psicólogos, neurobiólogos e educadores concluíram: “quando estamos on-line, entramos em um ambiente que promove uma leitura descuidada, o pensamento apressado é distraído, e o aprendizado torna-se superficial”. Ou seja, nos sites não há uma fixação no ato de ler e isso tende a comprometer a leitura de material impresso, que exige maior concentração, para que haja o entendimento daquilo que foi lido.

Tal conclusão consta no livro “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros?”, do pesquisador norte-americano Nicholas Carr que, há anos, estuda esse inquietante assunto. No seu entender, “o tempo que gastamos pulando entre links encolhe o tempo que dedicamos à contemplação, na quietude, os circuitos que dão suporte a essas antigas funções intelectuais enfraquecem e começam a se romper”. O problema é que muitas crianças começam a utilizar essas ferramentas cada vez mais cedo e isso pode ser desastroso.

O professor Valdemar W. Setzer compartilha desse pensamento, ao afirmar: “O influxo de mensagens competindo entre si, que recebemos sempre que estamos on-line, não apenas sobrecarrega a nossa memória de trabalho”, como pode comprometer o armazenamento de dados no cérebro. Traduzindo, não basta ler por ler, é preciso entender o que se está lendo, para memorizar as informações.

Assim, sem exageros, há alunos que simplesmente não conseguem ler um breve texto impresso em voz alta (outra habilidade ameaçada), pois pulam as palavras e linhas, muitos se atrapalham e gaguejam frequentemente. Não se trata de um problema de visão, timidez ou insegurança, mas de absoluta falta de convivência com material impresso (livros, revistas). Muitos estudantes revelam que não conseguem absorver até mesmo o conteúdo das apostilas que utilizam no dia a dia escolar.

Diante do exposto, temos um paradoxo a ser enfrentado, posto que à medida que a tecnologia da informação passou a fazer parte do convívio dos jovens, nas escolas, muitos jovens delegam à máquina a tarefa de pensar por eles. Logo, há um vazio mental, pois muitos não armazenam as matérias, porque basta um “click”, no celular, para que a resposta surja por encanto. Assunto da próxima quinzena: o marketing político na educação.

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa “Nossa língua sem segredos”, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h. Ele escreve quinzenalmente neste espaço.