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Os Países Baixos e sua política de repúdio à extrema-direita

09 de Julho de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

Os Países Baixos são um dos Estados mais ricos da União Europeia, com uma taxa de desemprego de somente 3,6%, durante a pandemia da Covid-19, e renda per capita de 53.900 dólares por ano, a economia e a estabilidade política são algumas de suas prioridades. Nesse contexto, as preocupações com o crescimento da extrema-direita ou ultradireita são visíveis por meio dos discursos do primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte, e das mudanças constitucionais e eleitorais a serem votadas pelo parlamento no curto prazo. Nas eleições de março desse ano, Rutte já demonstrava sua inquietação com a possível vitória do candidato de extrema-direita, Geert Wilders, do Partido Popular para a Liberdade e Democracia, em neerlandês “Volkspartij voor Vrijheid em Democratie (VVD)”.

Este ano, o gabinete que compõe o poder executivo pretende iniciar uma mudança no sistema eleitoral de forma que os eleitores possam exercer maior influência sobre os candidatos para a Câmara de Deputados. Nesse sentido, haverá possibilidade de votar em toda a lista de candidatos de um mesmo partido ou em um único candidato. A orientação para essa mudança adveio da Comissão de Estado, em neerlandês Staatscommissie, tratando-se de um órgão consultivo ad hoc, criado por decreto real. A ideia é aprimorar o vínculo entre os eleitores e os seus representantes de modo a fortalecer o Estado de Direito, na monarquia constitucional adotada no país. Embora o sistema eleitoral não esteja em crise, o objetivo das modificações é aproximar o cidadão dos representantes políticos com a possibilidade de influenciar diretamente nas decisões a serem tomadas na Câmara de Deputados.

As alterações supracitadas evidenciam a preocupação das autoridades com a insatisfação dos leitores de que seus interesses muitas das vezes não estão representados pela maioria dos partidos que se encontram no parlamento. Uma outra preocupação é em estimular a participação dos jovens na vida política, sendo que a proposta de diminuir a idade para 16 anos para o envio de iniciativa de cidadãos para a Câmara, a chamada burgerinitiatieven, também faz parte das mudanças, na atualidade a idade mínima é de 18 anos. No entanto, não há previsão para reduzir a idade mínima para votar para 16 anos, será mantida a exigência de 18 anos.

As significativas mudanças incluem a possibilidade do Senado, Eerste Kamer, encaminhar os projetos de lei com alterações para a Câmara de Deputados, Tweede Kamer. Há previsão legal para a restrição de partidos políticos que ameacem o estado democrático de direito e os direitos fundamentais. Se houver alguma ameaça aos princípios da ordem pública, o partido político poderá ser extinto por um magistrado.

Ainda, devem ser consideradas duas mudanças constitucionais relevantes, como a alteração na duração de mandato dos senadores, e o rito na votação das emendas constitucionais. Também, a metade dos senadores será eleita a cada três anos de modo a prolongar o mandato de quatro para seis anos. As emendas constitucionais deixarão de ser votadas em cada uma das casas, Senado e Câmara dos Deputados, para serem votadas em um único turno. Nesse diapasão, no segundo turno será necessário o quórum de dois terços simultaneamente em ambas casas legislativas.

O debate público e transparente fomentado pelas autoridades é conditio sine qua non para consolidar democracias diante da dinamicidade da sociedade internacional. É fundamental adequar a realidade interna dos Estados à complexidade do mundo atual, de modo que o cidadão não desacredite na democracia. Na reforma do sistema eleitoral e constitucional neerlandês está centralizada a preocupação em desestimular qualquer forma de crescimento da extrema-direita nos Países Baixos, inclusive sendo reconhecidos internacionalmente como país precursor que reprime esse tipo de conduta.

Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos