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Os 75 anos da ONU. O quê mudar?

28 de Outubro de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

No dia 24 de outubro, a Organização das Nações Unidas (ONU) completou 75 anos de existência. As comemorações que estavam previstas, por motivos da pandemia, ocorreram de forma virtual. Após tanto tempo desde o seu surgimento em 1945, é importante fazer uma reflexão sobre a sua origem, o seu desenvolvimento, e os novos desafios do multilateralismo no século 21. A ONU foi muito bem elaborada em um contexto após as duas grandes guerras mundiais. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e, logo na sequência, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foram determinantes para o estímulo ao multilateralismo.

Na perspectiva histórica, a primeira tentativa de criar uma organização internacional de caráter universal, ocorreu no dia 28 de julho de 1919, por meio do Tratado de Versalhes, a chamada Ligas das Nações ou Sociedade das Nações, com o intuito de solucionar a segurança internacional de forma coletiva. Entre outros fatores, naquele período, uma das razões do fracasso da Liga foi que os próprios Estados Unidos da América (EUA), que haviam vislumbrado a sua criação, nos 14 pontos do presidente estadunidense, Woodrow Wilson, nunca participaram da mesma.

Portanto, a ONU surge após uma tentativa de sua antecessora, a Liga das Nações, em equacionar um sistema multilateral de caráter universal. A ligação entre ambas organizações internacionais pode ser observada sob a perspectiva da sucessão jurídica internacional, tendo em vista que a ONU herda um legado da Liga. O surgimento da ONU fortalece as perspectivas multilaterais, na ideia da horizontalidade, publicidade e maior transparência nas relações internacionais.

Entre seus órgãos de maior visibilidade, estão a Assembleia Geral, considerado o mais democrático, em que todos os membros possuem um assento e direito a voto. A decisão acerca da escolha dos 10 membros rotativos do Conselho de Segurança também se dá na Assembleia Geral. O Conselho de Segurança demanda uma maior análise em razão de sua questionável representatividade na atualidade. É importante observar que somente cinco países possuem assento permanente nesse Conselho, sendo EUA, França, Reino Unido, China, e Rússia, os mesmos desde a sua formação.

Para entender o Conselho de Segurança, faz-se mister observar que a Conferência de São Francisco originou a ONU, tendo seu início em 25 de abril de 1945, mas vale citar também, a Conferência de Moscou em 1943, a Conferência de Dumbarton Oaks em 1944, e a Conferência de Ialta em fevereiro de 1945. Em 1943, EUA, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e Reino Unido negociam uma nova ordem econômica internacional. Em 1944, já com a participação também da China, há uma preparação para a futura ONU.

A ONU foi um projeto orquestrado de maneira muito perspicaz por grandes potências como EUA, Rússia, França, Reino Unido e China. O multilateralismo seria o cenário ideal para resolver os problemas econômicos, sociais, culturais e de segurança, simultaneamente promovendo a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. No pós-guerra, com o forte apoio do presidente estadunidense, Franklin Delano Roosevelt, havia uma cooperação internacional para o sistema multilateral.

Um dos grandes debates sobre a ONU é a representatividade atual do Conselho de Segurança, pois possui os mesmos cinco membros permanentes do pós-guerra. Entretanto, suas decisões são vinculativas, sendo obrigatórias, no chamado jus cogens do direito internacional, ou seja, os demais Estados não membros do Conselho de Segurança também devem cumpri-las. Esse é um dos temas mais polêmicos questionados por vários países, em que é formada uma aliança, o G4, por Brasil, Alemanha, Japão e Índia com o objetivo de conseguirem um assento permanente no Conselho de Segurança, na alegação de que a representatividade do mundo é bastante diferente da realidade de 1945.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional - é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.