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Os 75 anos após os ataques nucleares a Hiroshima e Nagazaki

03 de Setembro de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

Após 75 anos dos ataques com bombas nucleares no Japão, nas cidades de Hiroshima e Nagazaki, ocorridos em agosto de 1945, é importante suscitar o debate sobre as armas nucleares e o uso da energia nuclear para fins pacíficos. O trágico episódio de guerra motivou os japoneses a adotarem uma política pacifista no pós-guerra, e também a promoverem um ativismo anti-nuclear internacionalmente. Essa política pacifista implica em não poder declarar guerra, não possuir forças armadas, mas uma força de autodefesa.

Há uma diferença entre renunciar ao programa para a produção de armas nucleares e utilizar o programa nuclear para produzir energia nuclear. No caso do Japão, houve a opção de preservar a produção da energia nuclear para fins pacíficos por se tratar de uma energia limpa. Além da tragédia ser relembrada por terem sido lançadas armas nucleares contra civis, também existem outros aspectos, sob o ponto de vista do direito internacional e constitucional, dignos de serem observados.

No referente ao critério da forma de decretação, a constituição do Japão é heterônoma, ou seja, quando é decretada por um outro Estado ou até mesmo por uma organização internacional. Os japoneses adotaram uma constituição redigida por um militar norte-americano, o general Douglas MacArthur, com o título de Comandante Supremo das Potências Aliadas, que obteve durante a ocupação das forças aliadas após a Segunda Guerra Mundial. No período pós-guerra, MacArthur contribuiu para a reconstrução do Japão, do seu governo, de sua indústria, e de sua sociedade sob a lógica estadunidense. No período da Guerra Fria, os Estados Unidos da América (EUA) ainda exerciam forte influência.

Essa forma de reconstrução da sociedade japonesa rendeu algumas classificações curiosas, sendo observado como um Estado ocidental por alguns países. Nos Países Baixos, na Universidade de Leiden, a faculdade de estudos japoneses, chamado Japanstudies, localiza suas salas de aula na área dos estudos de países ocidentais. É visível à grande admiração que os neerlandeses nutrem pelo país, e o fato de ser uma das poucas universidades no mundo com esse estudo.

Não obstante a constituição heterônoma do Japão possa parecer algo atípico, é válido lembrar que as primeiras constituições redigidas para as ex-colônias britânicas na África, e também Nova Zelândia e Austrália foram feitas pelo parlamento britânico. Em tempos mais recentes, a Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou as constituições para os Estados recém-independentes da África.

Os japoneses e o mundo estão relembrando, ainda que de forma tímida, o septuagésimo quinto aniversário dos ataques nucleares à Hiroshima e Nagazaki. No entanto, a discussão atual no país acerca da necessária mudança para adquirir novos armamentos, contradiz o espírito que deveria ser preservado, após um acontecimento tão trágico que resultou na morte de milhares de civis. O incentivo global para a não-proliferação de armas nucleares está aquém do necessário.

O presidente estadunidense, Donald Trump, anunciou que vai denunciar o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário para evitar o desenvolvimento e a produção de mísseis de alcance nuclear intermediário, assinado com a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1987. A alegação de Trump seria de que a atual Rússia não estaria cumprindo o acordo na sua integridade.

A retirada dos EUA, em 2018, do histórico Acordo sobre o Programa Nuclear Iraniano, que prevê a suspensão gradual e condicional das sanções internacionais impostas ao Irã, com a contrapartida de que o Irã não desenvolverá armas atômicas, demonstra preocupação para a sociedade internacional. O debate político em torno da constituição do Japão e o posicionamento adotado por Trump são alguns fatores que devem contribuir para a maior tensão internacional.

Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional. Doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos