Orgulho de ser médico

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Crédito da foto: Arquivo JCS

Crédito da foto: Arquivo JCS

Edgard Steffen

O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim...

(Nietzsche -- Assim falou Zaratustra)

Neste sábado vou falar sobre um de meus orgulhos. Ser Médico.

Apraza-me encontrar pacientes antigos; sejam de minha clínica particular ou dos humildes que frequentavam o Posto de Puericultura. Senhora reconheceu-me. Não consegui lembrar seu nome nem dos filhos. Pediatra e mãe haviam incorporado 40 anos às idades e mais de 40 quilos às respectivas silhuetas. Lembrou-me que trazia seus filhos de Buri. Arrematou. -- Sabe, doutor, não se fazem médicos como o senhor. -- Concordo, minha senhora. Não se fazem médicos como antigamente... fazem melhores, respondi. -- Mas, eles não examinam! -- São diferentes. Têm mais recursos. Não precisam examinar tanto, concluí.

Após o juramento hipocrático, receber a imposição do capelo e ouvir o “Concedo-lhe o mesmo grau” foi para mim a síntese coroada de uma vida de estudos iniciada no Grupo Escolar de Indaiatuba, continuada no Ginásio de Campinas e Colégio de Itu. Em cada graduação, pompa e circunstância marcavam a etapa vencida. Ser médico foi a ponte zaratustriana de minha vida (1956). Trabalharia como doutor de roça. Autorizado a exercer profissão voltada ao próximo, ganharia meu sustento, constituiria família e, de lambuja, seria agraciado com o afetuoso doutor. Afetivo por não embasado em defesa de tese. Uma semana após a solenidade, assinei contrato para dirigir o posto de Puericultura de Piedade, e fui para a luta buscar meu espaço na profissão.

Um dos primeiros atos foi filiar-me à Associação Paulista de Medicina e à Sociedade Médica de Sorocaba. Ligar-se às entidades faz parte da liturgia da profissão. Abre portas do convívio com a classe, cursos de atualização e eventos sociais que unem médicos e famílias.

Eram tempos da Medicina com resquícios de sacerdócio. Médicos, em número insuficiente para a demanda, viviam contexto em que também eram parcos os recursos auxiliares do diagnóstico. Ouvir o paciente e examiná-lo eram imprescindíveis para evitar erros. Em compensação, a prática pouco socializada era de baixo custo. O médico vivia dos clientes que conquistava e atendia os carentes, segundo o juramento prestado. Os honorários recebidos dos que pagavam consultas e procedimentos compensavam a atenção aos que dependiam do altruísmo. Emprego único, bem remunerado, embasava o sustento até que o boca a boca viabilizasse clientela e a consequente estabilidade financeira.

Angariei clientes e amigos. Poucos adversários. Médico da roça, mesmo sem entrar na política local, era convidado às comemorações e solenidades do município. Ganhei presentes às mancheias. Frangos, patos, leitoas, carne de caças, palmitos, frutas e doces.

Muitos anos depois, ocupando cargo técnico na Regional de Saúde tive enormes dificuldades na montagem dos treinamentos. A oferta de médicos obedecera à lei da oferta/procura. O profissional mal remunerado, para garantir o sustento digno (reparem que escrevo digno e não suntuoso) mantinha vários empregos, sem tempo disponível para reciclagens e treinamentos. E o pior. A população mal atendida pelas incongruências do sistema de saúde e das iniquidades da medicina socializada, reagiu. Palavras de calão e, em alguns casos, agressão física. Muitas deficiências do sistema foram jogadas em cima de médicos. Raros os merecedores. Se antigamente apareciam nas colunas sociais, agora passaram às colunas de reclamações e aos embates de natureza política ou insólita. São os mais fáceis de culpar. Impingem-lhes culpas vicariantes para esconder os grandes responsáveis e camuflar problemas decorrentes da desorganização do sistema.

Carecem defensores. Sem desprezar a luta dos sindicatos médicos e do CRM regulador e monitor da ética profissional, a APM -- a quem a Sociedade Médica de Sorocaba está ligada -- mantém assistência jurídica especializada para seus associados. Tem atuado em todas as comarcas do Estado.

Médico, filie-se à Sociedade Médica de Sorocaba! Ela pode fazer por você mais do que você imagina. Recadinho final. Nunca perca o orgulho de sua profissão.

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul -- edgard.steffen@gmail.com