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O uso dos hormônios versus a negação do envelhecimento (parte 1)

07 de Agosto de 2019 às 00:01

Luiz Ferraz de Sampaio Neto

A mulher tem alguns marcos biológicos muito importantes durante sua vida. Podemos considerar que a puberdade, com a ocorrência da primeira menstruação (menarca), seja o primeiro deles. Em contraste, a última menstruação (menopausa) é outro marcador relevante.

Aliás, nos dias de hoje -- tanto pela sexualização precoce das crianças, quanto pela banalidade do acesso às informações através das mídias e redes sociais --, a menarca perdeu muito do seu impacto.

A menopausa costuma ser uma experiência muito mais dificilmente assimilada pelas mulheres do que a menarca. Ela traz consigo o estigma da cessação do período reprodutivo, da aproximação do envelhecimento e do surgimento de doenças que, antes, sequer passavam pela cabeça das mulheres.

Osteoporose, Alzheimer, aumento do risco de derrames e enfartes do miocárdio, incontinência urinária, diminuição do colágeno na pele e nos músculos, secura na pele e vagina, diminuição do desejo sexual, redução da massa muscular, entre outros pesadelos, surgem na fantasia feminina neste período -- que é denominado “transição menopausal” ou climatério.

Algumas dessas situações, em maior ou menor grau, são reais e decorrentes dos muitos anos que as mulheres ainda viverão após a menopausa. Este é um fato novo em nossa sociedade e decorrente do aspecto positivo das melhores condições de vida atuais: foi justamente o aumento da expectativa de vida que permitiu viver tempo suficiente para enfrentarmos esses processos, em sua maior parte, degenerativos (ou seja, surgem com o envelhecimento e pioram com o tempo).

Existem inúmeras evidências científicas, demonstradas por meio de ensaios clínicos bem conduzidos e isentos, que revelam a redução na intensidade de algumas das situações citadas anteriormente com o uso parcimonioso de hormônios sexuais, que deixariam de existir no corpo das mulheres após a menopausa e que, repostos, poderiam modular a evolução dos processos.

Também existem outras tantas evidências de que esses mesmos hormônios serão inócuos para alguns desses problemas, que acontecerão de maneira inexorável, não somente porque estão associados à interrupção da fonte hormonal natural, mas também porque estão associados ao próprio envelhecimento cronológico.

Recentemente, atendi uma senhora com pouco mais de 50 anos que estava em busca de algo para frear seu envelhecimento. Ela já havia sido consultada por mais de 10 ginecologistas aqui em Sorocaba e outros tantos na Capital. Alguns desses colegas prescreveram o uso de hormônios para corrigir o quadro clínico da transição menopausal. Contudo, como a paciente não percebia os resultados que desejava, aumentava as doses periodicamente.

Quando ela esteve em meu consultório, estava usando o equivalente a quatro vezes a dose habitual de estrogênio na forma de gel percutâneo, associado a um gel manipulado de progesterona também em dose muito superior ao prescrito. Ela ainda usava outro gel de testosterona, cuja posologia era superior àquela usada para homens com déficit nos testículos! Na verdade, o que essa senhora pretendia era interromper o envelhecimento. Porém, ela não percebia que o ambiente hormonal em que vivia agora era completamente antinatural.

Obviamente, o uso de hormônios desse modo terá repercussões, que podem ser imediatas ou tardias. Nessas doses, os efeitos colaterais serão muito maiores do que os eventuais benefícios. E era claro, para mim, que o pretendido por ela era tentar interromper o envelhecimento e tentar negar a finitude da sua fase reprodutiva.

Não adiantou a longa conversa que tivemos durante esta consulta, em que tentei demonstrar que ela não deveria mais continuar este uso. Tenho a convicção de que fui mais um dos inúmeros ginecologistas pelos quais ela passou.

São reconhecidos os benefícios do uso de hormônios individualmente prescritos, levando-se em consideração as indicações e as contraindicações clínicas, o perfil daquela paciente e a relação risco/benefício para cada situação.

Obs. Este artigo será finalizado na próxima publicação.

Luiz Ferraz de Sampaio Neto é professor de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC/SP.