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O pacifismo de ‘Castelo de areia’, de Fernando Coimbra

21 de Setembro de 2018 às 11:17

O pacifismo de ‘Castelo de areia’, de Fernando Coimbra Ocre (Nicholas Hoult): soldado humano, que sente a vergonha da guerra. Foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Durante a invasão norte-americana do Iraque em 2003, um bombardeio aéreo interrompe o abastecimento de água de uma cidade iraquiana. Um grupo de soldados americanos é designado para transportar água por caminhões e outro grupo trata de reparar as tubulações danificadas. Para minar a imagem do invasor junto à população local, os iraquianos resistentes procuram destruir o caminhão que transporta a água.

Sem tomar partido entre as facções em conflito, “Castelo de areia” critica sutilmente, qualquer guerra, utilizando-se da do Iraque como exemplo. Mostra como os soldados, empurrados por discursos encorajadores dos superiores, tentam exibir orgulho da farda, força física e mental, capacidade de decidir sem hesitar, solidariedade. Empunham armas sofisticados e vestem uma parafernália de equipamentos; e têm os maneirismos dos atores de filmes de guerra. Mas são pessoas comuns, frágeis, que temem a morte frente a um inimigo que não se vê, que querem voltar para casa, que não se questionam sobre o sentido do que estão fazendo. Esse exército aparentemente invencível, mas que bate em retirada no único combate terrestre do filme, tem a fragilidade do castelo de areia referido no título. O protagonista, soldado Ocre, dá-se conta do disparate e da vergonha de participar dessa tragédia, de ser parte dessa insensatez e, por isso, permanece pensativo e angustiado.

Um iraquiano que colabora com as forças invasores pede que seu pagamento seja efetuado em dólares. Um capitão, ironicamente, pergunta se pode pagá-lo em “liberdade e democracia?” e ele responde com um gesto obsceno. Esta breve passagem ilustra o mecanismo da política de guerra, em que coexistem interesses do invasor e valores que ele afirma defender. Com isto, engabela o público e o leva a aceitar a guerra. No Iraque, o interesse eram as reservas de petróleo, o faturamento de indústria bélica e a reconstrução do país devastado, mas e o valor propagado era o da destruição de armas químicas - nunca encontradas - e ligações de Sadam Hussein com a Al-Qaeda -- nunca provadas. Como bônus, liberdade e democracia para todos.

A destruição e a reconstrução da adutora de água é figura do sinistro interesse econômico que movimenta a guerra. Arrasa-se uma nação propagando a defesa de valores humanos e depois reconstrói-se o que foi arrasado, para simular piedade pelo sofrimento alheio. As forças de resistência reagem (no caso, destruindo novamente a adutora). Cria-se então uma espiral destrutiva em que ganham uns poucos (que estão bem instalados nas suas poltronas longe da guerra e decidem quando e como fazê-la) e em que muitos, de todas as idades e de todos os gêneros, perdem os bens, a dignidade, a vida.

Um grande outdoor exibe a foto de Sadam como um observador passivo dos fatos. É uma ironia com muitos sentidos. A insistência de Ocre de querer continuar a combater no Iraque também tem muitos sentidos, mas desconfio que o conflito transformou-o em um homem pior -- como gostam os que patrocinam as guerras.

Serviço

Cine Reflexão

“Castelo de areia”, de Fernando Coimbra

Hoje às 19h na Sala Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)

Entrada gratuita