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O nosso filãozinho

07 de Julho de 2018 às 17:46

Aldo Vannucchi 

Portugal teve uma rainha que fazia tudo pelos pobres, quase anonimamente. Era Isabel, esposa de Dom Diniz. Conta-se que, uma manhã de inverno, ela saiu do castelo para distribuir pães a eles, quando, inesperadamente, o rei apareceu e ela, temendo a censura do marido, escondeu os pães nas dobras do avental. Percebendo o gesto, o rei perguntou-lhe o que levava no regaço. "São rosas, meu senhor!" Desconfiado, o rei retrucou: "Rosas, em janeiro?" Aí não teve jeito, a rainha então expôs o que trazia consigo. Eram rosas mesmo.

Lenda ou verdade, é histórico e incontestável que ela concretizava seu amor aos pobres com aquela habitual doação de pães. Daí a criação do Dia do Padeiro, em 8 de julho, amanhã, como homenagem a Santa Isabel, santa rainha padroeira desses profissionais. Mas há também o Dia Mundial do Pão, festejado em 16 de outubro.

Merecem essas duas comemorações o pão, um dos alimentos mais antigos e mais populares da humanidade, e os padeiros, profissionais insubstitutíveis em qualquer cidade do mundo. E eu, filho de padeiro, que via papai acordar às 4 da madrugada para fazer a massa, aproveito agora para ressaltar que, além de alimento básico, o pão tem uma história peculiar. É recurso de envolvimento político e, por outro lado, nunca perdeu seu caráter de objeto quase religioso. Pão não se pisa, não se joga fora.

Na Roma antiga, o imperador, para ganhar a plebe, oferecia pão e esplêndidos espetáculos no teatro, na arena ou no circo. No Brasil, já no tempo da Regência, o jornalista Lopes Gama comparava o pão e circo dos romanos com a situação nacional acrescentando: "Nós hoje só queremos viver de empregos públicos e que muitos trabalhem, para nós desfrutarmos". E hoje, atualizando a comparação, pode-se dizer que falta o pão para milhões e sobra o circo da politicalha para todos nós. Naquela mesma terra, Mussolini, bem mais tarde, fez algo parecido. Como o país dependia da importação de grãos para manter a produção do pão, o ditador lançou a "batalha pelo pão", jogada política para empolgar o povo italiano no projeto fascista de desenvolver o país. Nessa conjuntura, ficou célebre a sua "Oração do Pão", com aquele vibrante apelo a seus compatriotas: "Italianos, amem o pão, coração da casa, perfume da mesa e alegria do lar".

Mas a mais linda oração do pão saiu dos lábios de Jesus, quando nos ensinou a pedir "o pão nosso de cada dia". Ele se mostrou sempre ligado às realidades domésticas e transformou o pão, com seus ingredientes, no símbolo máximo de uma presença divina. Ele se apresentou como "o pão da vida" e falou do trigo, a propósito de sua morte: "se o grão morrer, dará muito trigo". Falou do fermento: "O reino do céu é como o fermento que uma mulher pega e mistura em três medidas de farinha, até que ele se espalhe por toda a massa" e falou do sal: "O sal é uma coisa útil; mas, se perder o gosto, como é que vocês lhe poderão dar gosto de novo? Tenham sal em vocês mesmos e vivam em paz uns com os outros". Que sábio conselho!?

Aldo Vannucchi é mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia. Autor de diversos livros, foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (Fafi) e reitor da Universidade de Sorocaba (Uniso) - [email protected]