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O modus operandi do Tribunal Penal Internacional (TPI) e os EUA

18 de Junho de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

Existem muitas dúvidas acerca do modus operandi do Tribunal Penal Internacional (TPI), como se dá a sua jurisdição, seus Estados membros, e do próprio Direito Penal Internacional per se. O TPI, é sediado nos Países Baixos, em sua capital Haia, e foi criado pelo tratado internacional do Estatuto de Roma em 1998.

À diferença de outros tribunais que julgam Estados como a Corte Internacional de Justiça (CIJ), o TPI julga “indivíduos” com o intuito de averiguar a sua responsabilidade criminal. Não obstante, 120 Estados tenham participado de sua negociação, o estatuto somente passou a produzir efeitos jurídicos em 2002, quando 60 países o ratificaram. O Brasil foi um dos Estados que participou ativamente dos trabalhos preparatórios para a sua criação na Conferência de Roma, momento de elaboração do estatuto.

A criação do TPI deve ser observada sob a perspectiva de um contexto do pós-guerra. A vitória dos países aliados (Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética) na Segunda Guerra Mundial, trouxe a instauração dos Tribunais Militares de Nurembergue e de Tóquio (1945-1948) para julgarem políticos e autoridades militares.

Foram tribunais conhecidos por serem de exceção, aplicando a legislação ex post facto, após o surgimento do fato, tratando-se de tribunais criados pelos vencedores para condenarem os perdedores.

No caso do TPI, há significativas diferenças, pois se trata de um tribunal permanente, independente da Organização das Nações Unidas (ONU), regido pelo princípio de que não há crime sem lei escrita, prévia e certa que o defina.

O preâmbulo do Estatuto de Roma enfatiza o caráter universal dos direitos humanos e a existência de crimes tão graves que ameaçam valores comuns a toda a humanidade. A competência ocorre para julgar crimes ocorridos no território de um Estado-parte, sendo esses: crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

Tanto Estados como indivíduos podem praticar esses crimes, mas os agentes estatais respondem penalmente e os Estados civilmente. O crime de tortura não gera condenação perante o TPI, pois outros tratados internacionais legislam sobre esse crime, sendo a tortura também vedada pelo direito internacional.

Os Estados Unidos (EUA) participaram das negociações para a criação do TPI, inclusive assinaram o Estatuto de Roma durante o governo do ex-presidente democrata Bill Clinton. Posteriormente, no governo de George W. Bush se liderou esforços significativos com o apoio do Congresso para que o Estatuto de Roma não fosse ratificado, sendo sua política acompanhada de tratados bilaterais que limitavam a extradição de cidadãos estadunidenses.

Interessante observar que embora o TPI seja um tribunal independente, o Conselho de Segurança da ONU possui a prerrogativa de postergar o inquérito ou o início do procedimento, conforme o Capítulo VII da Carta da ONU referente a “ação relativa a ameaça à paz, ruptura da paz e atos de agressão”.

Portanto, pode haver revisão das decisões da procuradoria por parte do Conselho de Segurança da ONU, formado por seus cinco membros permanentes, Estados Unidos, França, União Soviética, Reino Unido e China.

No direito internacional, o Conselho de Segurança exerce o chamado jus cogens, sendo norma imperativa inderrogável pela vontade das partes. Portanto, mesmo países como Estados Unidos, Rússia e China que impedem a jurisdição do TPI, e nunca irão colaborar com a entrega de seus nacionais, exercem alguma prerrogativa no tribunal.

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é advogada, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) - [email protected]