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O legado da trupe de 22

24 de Maio de 2019 às 00:01

João Alvarenga

“Não sabemos o que queremos, mas sabemos o que não queremos”. Essa máxima, atribuída aos integrantes da primeira geração modernista de 1922, assinala um posicionamento crítico da chamada trupe de 22, que pretendia promover uma ruptura com tudo o que representasse apego ao passado, principalmente no que tange às estéticas clássicas, cuja escola parnasiana defendia, com rigor métrico, as chamadas formas fixas, entre elas, o milenar soneto.

Todavia, prestes a completar o primeiro centenário, em 2022, a Semana de Arte Moderna ainda suscita questionamentos que persistem no meio intelectual: que heranças os ativistas da geração anárquica deixaram à nossa cultura? Oswald de Andrade e seus séquitos conseguiram, de fato, identificar as verdadeiras raízes da nossa identidade nacional?

De certo modo, tais indagações geram angústias nos professores de Literatura, posto que, excetuando o ambiente escolar (reduto da teoria literária), nem mesmo a mídia tem dado a devida atenção aos que ousarem desafiar o coro dos contentes, para apresentar uma nova concepção artística. Assim, desde que o Teatro Municipal de São Paulo foi palco de profundas transformações na estética nacional, não faltam críticas, pois o conservadorismo ainda prevalece em pleno século 21.

E, embora Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos, Victor Brecheret, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo tenham se empenhado para despertar, no tecido social, o espírito de brasilidade, tenho a impressão de que esses bravos personagens simplesmente se tornaram figuras obscuras das nossas artes.

De certo modo, esse desprezo evidencia um paradoxo, pois as premissas desse inquietante grupo fundamentavam-se justamente na defesa de uma linguagem coloquial, que fosse espontânea, em detrimento à rigidez da gramática normativa trazida pelos lusitanos e imposta à massa. Isso, além da introdução de temas brasileiros na literatura e na pintura, numa clara valorização da expressão popular e dos sentimentos do povo.

No entanto, parece que esses nobres ideais foram ignorados por todas as camadas sociais, da elite à massa, no decorrer dos tempos. Posso até estar enganado (e Deus queira que sim); porém, mesmo assim, proponho um pequeno desafio ao leitor: escolha um dos nossos terminais urbanos e faça a seguinte enquete: 1) Qual é o nome do líder dos modernistas? 2) Quem foi Tarsila do Amaral? 3) Que tela marcou a sua produção artística? 4) Quais eram as principais caraterísticas dessa geração? 5) Quais foram as contribuições desse movimento à cultura brasileira?

Talvez, caro leitor, você fique sem as devidas respostas ou, até se surpreenda com os resultados dessa experiência. Desse modo, é possível conjecturar que os modernistas de 22 ainda não foram plenamente compreendidos nem mesmo pelos intelectuais, apesar de haver inúmeras teses da comunidade acadêmica sobre a importância de uma arte que teve como propósito resgatar o Brasil para os brasileiros; no entanto, sem ufanismo ou exageros, numa intensa revisão de nossos valores culturais e artísticos, a fim de encontrar o que há de mais verdadeiro no espírito de nossa população.

Nesse contexto, polêmicas não faltam, pois muitos críticos, equivocadamente, são unânimes em atribuir a presença do kitsch nas artes à banalização do fazer artístico, processo que teria começado com as formulações da primeira geração, há quase cem anos. Especulações à parte, não se pode negar que a arte brasileira nunca mais foi a mesma, depois que, provocativamente, os modernistas entraram em cena. Na próxima quinzena, focarei a geração de 30. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.