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O Estado democrático de direito: requisito para subsídios da União Europeia

17 de Dezembro de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

A União Europeia (UE) debate de forma profícua temas com profundo impacto para 2021, repercutindo na sociedade internacional. Após muitas discussões, e o receio da possibilidade de aumento de partidos de extrema-direita, a UE decide que os subsídios multibilionários do bloco europeu passam a estar relacionados com o respeito ao Estado democrático de direito. Essa medida, além de impedir a inexistência do Estado democrático de direito em países como Hungria e Polônia, coíbe o surgimento de partidos de ultradireita em outros Estados europeus. O artigo 2º do Tratado da União Europeia (TUE) enfatiza a importância do Estado democrático de direito como um dos valores fundamentais e alicerce do bloco.

Nesse sentido, os governos dos Estados membros não devem tomar decisões arbitrárias e os cidadãos devem ter o seu acesso à justiça assegurado por tribunais independentes. Não obstante, a relevância do aspecto jurídico, faz-se mister ressaltar que os valores supracitados possuem uma preocupação financeira. É estimado que o bloco gaste anualmente com seus membros aproximadamente 160 bilhões de euros. Esse elevado gasto necessário para equilibrar e amenizar desigualdades entre os Estados, deve ser fiscalizado e monitorado em sua execução. Por essa razão, a fraude no sistema deve ser combatida por meio de instituições democráticas independentes que garantam a imparcialidade, um cenário que seria difícil em governos com escassa transparência.

A robustez da medida tem alvo claro, a Hungria e a Polônia, sendo ambos países os principais beneficiários dos subsídios do bloco. No entanto, a debilidade do Estado democrático de direito em ambos países é motivo de constante preocupação para os europeus. Um dos mecanismos que a UE utilizará a partir do dia 1º de janeiro de 2021, será exigir o caráter obrigatório da independência e imparcialidade do poder judiciário para que sejam investigados e julgados indícios de fraude e uso indevido dos subsídios no caso concreto. Em termos práticos, a adoção da nova medida não significa per se o respeito ao direito das minorias nesses países.

Entretanto, em conformidade com o primeiro ministro neerlandês, Mark Rutte, pode ser o indício de uma mudança gradual no posicionamento dos governos húngaro e polonês em relação a um canal de diálogo com as minorias. A motivação da UE parece não encontrar a mesma expectativa por parte da Polônia e Hungria, que tiveram uma reação crítica ao ameaçarem vetar o fundo plurianual europeu sob a alegação de não aceitarem a cláusula imposta pelo bloco.

Em realidade, não houve uma emenda à cláusula do Estado democrático de direito, a diferença se dá em uma nova interpretação vinculada aos subsídios. O debate ganha grandes proporções, tendo em vista que o orçamento plurianual 2021-2027, e o fundo de recuperação podem ser aprovados em breve. A dimensão da complexa situação, pode ser observada na expectativa dos Estados membros em receberem o subsídio em um contexto de uma das maiores crises da UE. Ao mesmo tempo em que os países do norte, como Alemanha e Países Baixos, relembram da necessidade de se manter a austeridade fiscal por parte das economias do sul europeu.

Não só a UE age de forma estratégica dando ênfase a valores considerados fundamentais para a democracia, mas os Estados Unidos da América (EUA) com o seu novo governo sob a liderança dos democratas, o presidente Joe Biden, e a vice-presidente Kamala Harris, sinalizam uma nova dinâmica para o cenário global. Biden defende a importância do multilateralismo, valores de uma democracia e o objetivo de um diálogo consistente com a sociedade internacional. A comunidade internacional, por sua vez, sinaliza que valores fundamentais para o modus operandi da democracia como a imparcialidade e a transparência, exercerão influência inclusive na economia.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro -- Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional — é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.