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O ensino de literatura: algumas estratégias

04 de Janeiro de 2019 às 00:01

Há quinze dias, observei que o ensino de literatura vive uma crise devido a vários fatores, a começar pela visão míope de que a disciplina é só uma ajuda para os vestibulares. Atribuí tal postura à ideia pífia de que livro é só lazer. Apimentei o problema, ao criticar a prática da “decoreba”, presente em boa parte das escolas, no lugar da análise crítica. No final, prometi compartilhar algumas estratégias para resgatar a dignidade dos autores, via amor aos livros.

Ponto de partida: os professores devem enfatizar que a literatura é o registro autêntico das emoções humanas, e que seu ensino não é algo isolado, mas um curioso diálogo com outros conhecimentos, por meio de investigações. Logo, não é saudável expor o conteúdo como algo estanque, como se não houvesse novidades, mesmo quando o assunto é o Trovadorismo ou Humanismo que, às vezes, são ignorados.

Para muitos, as apostilas se tornam um drama, afinal, se por um lado o conteúdo está mastigado, por outro, o material “amarra” as aulas, com o risco de torná-las maçantes. A “aula invertida” talvez atenue esse dilema, pois os alunos podem ler, antecipadamente, o assunto da próxima aula. O Classicismo, por dar ênfase ao poeta Camões, ajusta-se a esse método, ao suavizar o excesso de conteúdo, via minidebate, sobre a relevância do autor nos nossos dias.

Outro caminho é acrescentar textos de autores contemporâneos que estabeleçam uma conexão com os clássicos, para levar os jovens à reflexão, via depoimentos, em vídeos, que podem ser postados na internet. A fim de quebrar paradigmas, também é possível trabalhar fragmentos de textos menos conhecidos de autores consagrados; todavia, sem a identificação prévia. Só após uma análise crítica, os nomes devem revelados. Isso sempre gera um saudável burburinho, pois muitos não acreditam que se tratava de determinado escritor. A partir do tema presente no fragmento, são motivados a produzirem seus próprios textos: relatos, poemas, vídeo-poemas, resenhas ou, então, simular uma entrevista com o autor estudado.

Outra experiência que sempre envolve a sala tem como foco os autores do Romantismo, pois é uma escola literária ampla que congrega vários enfoques, tanto em verso quanto em prosa. A ideia é dividir a classe em grupos, com um sorteio antecipado dos autores que deverão ser pesquisados, com vistas à apresentação não apenas de um seminário, mas a montagem de pequenas encenações teatrais, performances ou simulações de telejornais.

O resultado dessa prática tem sido muito satisfatório, porque os estudantes “compram” a proposta, afinal se sentem livres para elaborar a exposição das pesquisas. A cada ano, os trabalhos não só se renovam como surpreendem pelo alto grau de comprometimento dos alunos, com respeito aos prazos e ao nível qualitativo das apresentações.

Essa ação pedagógica pode ser desenvolvida com outras escolas literárias, como as Vanguardas Europeias ou o Modernismo, cuja abordagem é extensa. A ideia é gerar o espírito investigativo, a fim de que se tornem agentes da informação e não meros espectadores do processo. Além disso, é possível realizar, semestralmente, pequenos saraus, com declamações de poemas e apresentações musicais. Os participantes podem declamar versos de poetas famosos, ou de autoria própria, além de cantar. Outros recursos: videoaulas, documentários, leitura de obras (com fichamento) que se tornam objetos de avaliação, a partir de critérios definidos no planejamento, que contemplem, também, o empenho dos alunos.

Talvez, essas estratégias não sejam novidades, mas espero ter contribuído de alguma forma. Próximo assunto: as ações que extrapolam a sala de aula. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, e apresenta com Alessandra Santos o programa Nossa Língua sem Segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), sempre às segundas-feiras, das 22h às 24h.