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Nosso ambiente, nosso lixo e nossa pandemia

13 de Maio de 2020 às 00:01

Michel Xocaira Paes e Sandro Donnini Mancini

Parece que a sociedade não tem escutado alguns avisos, como as catástrofes de Brumadinho e Mariana, inesperadas enchentes e até o dia que virou noite, com o céu encoberto por fumaças de queimadas. Estamos devastando, em pouco tempo, as riquezas naturais do nosso mundo e país. Há quem encare essa pandemia como um pedido de pausa do planeta e da natureza. Afinal, as mudanças climáticas, os processos acelerados de desmatamento, perdas da biodiversidade e poluição do ar, solos e rios, além de ameaçar diretamente nossa saúde, também podem contribuir com mutações de vírus e bactérias.

Nesse período de quarentena é fato que algumas fontes de poluição também deram um tempo. Mas não há motivo para comemorar. Alguns desmatadores não estão em home-office. E a recessão econômica (outro fato) trouxe a diminuição das atividades de comércio, indústria e serviços e, certamente, a redução da poluição gerada por essas atividades, p.ex. através dos resíduos sólidos. O mesmo não se pode afirmar dos resíduos domiciliares, pois ficando mais em casa, também podemos gerar mais resíduos nas residências.

Mas afinal, porque tantas políticas importantes, que impactam diretamente na qualidade de vida de todos os cidadãos, como meio ambiente, saneamento, resíduos, habitação e mobilidade urbana, pouco avançaram nos últimos anos? Porque o Estado ou a iniciativa privada tem dado pouca atenção a questões tão estruturantes da sociedade?

Hoje vemos que a ausência de transporte coletivo de qualidade, de saneamento (tratamento de água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais) ou de moradia digna tem impactado diretamente na forma de contágio do Covid 19. E quem vai pagar esses custos de tratamento dos doentes ou de tantas vidas perdidas? É sabido que algumas externalidades ambientais (como da poluição atmosférica ou de rios) causam impactos econômicos diretos ao poder público, por exemplo com a necessidade de tratamento de doenças respiratórias advindas da poluição do ar ou de outras enfermidades provenientes da poluição das águas. Porém, a perda de vidas (de pais, filhos, irmãos, sobrinhos, tios, amigos e avós) não tem valor mensurável. Se tivéssemos uma sociedade mais preparada para enfrentar essas crises, provida de serviços públicos de qualidade, certamente o impacto disso tudo seria menor.

Quando falamos da gestão de resíduos, podemos compreender facilmente que a reutilização de produtos, a reciclagem e o tratamento da matéria orgânica (através, por exemplo, da compostagem) podem ajudar a reduzir a carga sobre a extração de recursos naturais para a produção de novos insumos e produtos. Assim como seria benéfica a disposição final de rejeitos em aterros sanitários (a maneira adequada de fazê-lo) e não em lixões (fontes de contaminação do solo, ar e corpos d’água), locais para onde foram 39% dos resíduos brasileiros em 2008 e 24% em 2018.

E o que seria de nós se os serviços da coleta do lixo parassem? Será que haveriam mais fontes de contaminações e doenças? A resposta, sem dúvida, é sim. Então vale a pena agradecer a todos esses trabalhadores e também lembrar que outras atividades tiveram que ser interrompidas. A coleta seletiva e a triagem dos recicláveis, por exemplo, teve que dar uma pausa em muitas cidades do país, como Sorocaba, devido a possibilidade de contaminação dos trabalhadores. Já cidades que contam com sistemas de triagem mecanizados (em substituição ao sistema manual) puderam dar continuidade à coleta seletiva. Ou seja: mais um motivo para se investir e modernizar as políticas urbanas.

Enfim, enquanto nos mantivermos passivos a tantas demandas (globais e locais) por melhorias e avanços reais em determinados serviços públicos, talvez só iremos dar conta dos problemas quando não houver mais solução. Ainda há tempo de corrigir algumas inércias. Ainda é tempo de despertar.

Michel Xocaira Paes é Pesquisador do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas ([email protected]) e Sandro Donnini Mancini é professor da Unesp-Sorocaba ([email protected]).