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Nos dias de nossa mocidade

06 de Outubro de 2018 às 08:47

Edgard Steffen

Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos corações sábios. (Salmo 90:12)

Velhice é coisa que anda muito rápida, justamente quando você começa a andar devagar. Enquanto o ágil adolescente não vê a hora de acabar aquela aula chata ou não aguenta esperar as férias que nunca chegam, o idoso sofre o impacto do tempo que voa, roubando-lhe chances de completar seus planos. Como a Lei do Eterno é perfeita, se você souber respeitá-la, sentirá o crescimento da compreensão do mundo em que vive e, se não for ateu, sabe que a hora final não é tão final assim.

Ontem finalmente pude visitar um amigo. Coetâneos, separam-nos apenas 24 horas de um janeiro no longínquo 1931. Sobre ele já escrevi. Menino, no leito do hospital, desenganado pela meningite, sentiu o braço do Eterno separando-o para o trabalho da Fé. Avião fretado trouxera dos USA a novidade chamada “penicilina”, para um empresário que não resistiu a espera. Para não perder o caríssimo remédio, os médicos resolveram aplicá-lo no menino. Sarou, mas ficou surdo em um dos ouvidos.

Religião e fé não são vacina contra o infortúnio. Adulto, na azáfama de suas múltiplas atividades, sequela de gripe roubou-lhe o que restava de audição no segundo ouvido. Não parou. O mesmo Ser que permite a doença dá ao homem recursos para vencê-la. Implantou um ouvido biônico e não interrompeu a labuta.

Antes da hipoacusia profunda, tinha peculiar modo de falar. Com voz forte de timbre agradável, escandia bem as sílabas e destacava palavras ou frases como se as grifasse para o interlocutor valorizá-las. No púlpito, sermões bem construídos tornavam clara a mensagem tirada do texto bíblico.

A essa altura, você já adivinhou que me refiro ao Rev. Matheus Benevenuto Júnior. Nossas esposas eram amigas, ligadas pelo trabalho e mútua admiração.

Matheus, leu e releu “Os Steffen”. Conheceu vários personagens. Cursando o Seminário Presbiteriano de Campinas, auxiliava os trabalhos da Igreja de Indaiatuba e era hospedado por minha família.

Após a formatura, casado com a professora e maestrina Zilá Rodrigues Alves, veio para Sorocaba. Por 42 anos pastoreou a Igreja Presbiteriana central. Aqui nasceram seus quatro filhos Noemi, Zilma, Luiz Álvaro e Andreia. Aqui fez inúmeros amigos.

Não ficou ancorado às quatro paredes. Sua atuação deu visibilidade à igreja pastoreada. Orientou jovens postulantes ao ministério. Militou na preparação de cidadãos pelo escotismo. Na chácara da Serrinha -- para retiros, cursos profissionalizantes informais e acantonamento do Grupo Baltazar Fernandes -- ergueu capela adequada à parte espiritual das atividades. Ajudou na criação da ACM. Fez parte do Conselho de Redação do Cruzeiro do Sul. Participou dos movimentos maçônico e rotário. Recebeu o título de Cidadão Sorocabano. Ecumênico, fez amigos entre os que professavam outros credos. Era admirado por cursilhistas, políticos e empresários. Lutou pela construção do novo Hospital Evangélico de Sorocaba e participou de sua administração.

O velho pastor, após as crises cardiocirculatórias comuns à idade avançada, recolheu-se em sua residência para cuidar da própria saúde e de sua esposa acamada. Enquanto a saúde a permitiu, foi grande incentivadora, apoiadora e colaboradora em tudo. Que o digam as músicas que compôs, os arranjos para o coral Zacarias de Miranda, o Hino do Sesquicentenário da IPS e a multimídia “Cantar é Preciso” com músicas para crianças.

Neste singelo relato -- incompleto e imperfeito -- nossa (leia-se Adélia e eu) homenagem ao casal amigo. Dou graças porque ainda podemos quebrar o silêncio numa época de tanta turbulência e incertezas. Bom conversar com quem, pela fé e pelo exemplo, aponte a direção certa.

“Não fosse a ajuda do Eterno, eu já estaria habitando no silêncio.” (Salmo 94:17).

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço -- [email protected]