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Natal sem Papai Noel

19 de Dezembro de 2020 às 00:01

Natal sem Papai Noel Crédito da foto: Reprodução / Internet

Edgard Steffen

Natal já foi festa,

já foi profundo gesto de amor.

Hoje, o Natal é orçamento.

(Nelson Rodrigues)

Tiraram o Papai Noel do pedaço. Por conta da Covid-19, não é visto ou entronizado nos shoppings, carregando ou assustando crianças, à disposição de sélfies e pedidos. Este será o Natal do Papai Noel virtual. Afinal, por velho e obeso, faz parte do grupo de risco. (Por falar nisso, se eu acreditasse nele, pediria como presente o apressamento da vacinação contra o novo coronavírus). Mais difícil do que acreditar no velhinho presenteador é acreditar em governantes que olham mais para a próxima eleição que na urgência em barrar a pandemia.

A figura do Papai Noel (Santa Claus, para os americanos) como hoje a conhecemos, apareceu em dezembro de 1823, no poema “Uma visita de São Nicolau” (ou, The Night Before Christmas) atribuído a Clement C. Moore. As crianças dormem e os pais preparam-se para dormir, quando trenó com oito renas pousa no telhado. Velho obeso (“quando ri sua barriga sacode como geleia”) de brancas barbas, bochechas róseas e nariz vermelho-cereja, desce do veículo. Veste peles marcadas por neve e fuligem. Com um saco às costas, entra pela chaminé e deposita presentes nas meias colocadas sobre a lareira.

A primeira imagem com gorro e botas, deve-se ao cartunista Thomas Nast. Apareceu na capa da revista Harper’s Weekly (1862). A roupa vermelha e branca, tal qual hoje se vê, é produto duma campanha publicitária da Coca-Cola (1931).

Introduzido em nossa cultura na primeira metade do século 20, surpreendentemente “pegou”, apesar de envergar roupas e botas inadequadas ao calorífico verão do hemisfério sul. O que não pegou foi o método de acesso aos domicílios. Por estas bandas, lareiras são raras e mais decorativas que funcionais. Antes do advento do fogão a gás havia as chaminés dos fogões a lenha. Por estreitas, a desproporção entre o magro duto e o rotundo corpanzil é tamanha que nem a mais crédula das crianças conseguia imaginar Papai Noel escorregando pelo exíguo espaço. O jeito, como sugeria velha canção natalina, era “deixar o sapatinho na janela do quintal”... e rezar para que algum descuidista não levasse embora tanto o presente como os sapatos.

A medida em que meios de comunicação, comércio e indústria se desenvolveram e a sociedade de consumo cresceu, os símbolos natalinos passaram a constituir poderosa força de apelo consumista. O genial Nelson Rodrigues, resumiu “Hoje, Natal é orçamento.”

Mas não vamos demonizar o velhinho. No imaginário infantil Papai Noel, bondoso e dadivoso, é mito que se desfaz normalmente com a evolução da criança da fantasia à vida real, racional. Algum amigo(a) mais ladino(a) cuidará em avisá-la de que o bom velhinho é o pai ou algum tio gaiato disfarçado. Cai o fantasioso. Ficam a bondade do mito e a data de aniversário do Menino Deus.

Pena que, dentro dessa parafernália toda, o Aniversariante ande meio esquecido. Pesquisadores dinamarqueses, por ressonância magnética funcional, localizaram áreas cerebrais responsáveis pelo “espírito natalino”. Na destruição da lenda ligada ao velhinho marqueteiro e às luzes e enfeites que lembram frio ou neve, sobrarão na memória infantil apenas heróis sem-Deus. Nos modernos cartoons e jogos eletrônicos, mitos não têm compromissos com amor e mansidão. Animações bombardeiam a mente infantil com heróis violentos que salvam o planeta de inimigos também superpoderosos e superviolentos.

Cheio de luzes, sons, cores, aromas e sabores o Natal continua lindo. Os cristãos, independente da filiação religiosa, sabem que manjedoura, mesa eucarística, cruz e túmulo vazio constituem pontos cardeais de sua Fé. São cláusulas doutrinárias pétreas. Presépios, árvores iluminadas e Papai Noel são símbolos criados pela imaginação do homem. Estimulam o consumo mas também servem para lembrar o Advento e, inegavelmente, tornam mais bonitas as últimas semanas do ano.

Tenham todos um Feliz e Santo Natal.

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]