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Montes e montes de embalagens

08 de Setembro de 2020 às 00:01

Estamos sendo soterrados por embalagens. Quem não havia se dado conta disso antes passou a se dar depois destes seis meses de confinamento, situação que passou a exigir higienização extra, após cada compra de supermercado.

Como contribuir para o correto descarte dessa montanha de plásticos, de tetra pak, papelão, cartolinas e de recipientes de vidro quando as circunstâncias não ajudam, quando não se pode contar com um mínimo de consciência ambiental e quando se sabe que, desde 2010, quando foi aprovada a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a reciclagem do lixo no Brasil -- e não só de embalagens -- não passa dos 3% ou 4%?

Toda reciclagem passa pela coleta, pela triagem e pelo reprocessamento -- o que só marginalmente acontece no Brasil. Para além das embalagens, materiais como papel e papelão têm 52,3% de recuperação, conforme mostram os números da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza e Resíduos Sólidos (Abrelpe). O plástico -- existem pelo menos sete tipos diferentes -- fica nos 8,2%. Somente o alumínio, utilizado em latinhas de cerveja e refrigerante, alcança bom índice: chega a 87,2%.

A necessidade de conservação dos produtos e, também, as razões de segurança impedem forte redução do uso de embalagens. Com a grande maioria delas, não se pode dar o mesmo tratamento dispensado aos canudinhos e, em menor escala, às sacolas plásticas, considerados vilões do meio ambiente, porque têm vida útil curta, mas, se descartados na natureza, têm durabilidade que se conta em séculos.

Cortar excessos, reduzir a gramatura do papel, deixar o produto mais leve ou trocar plástico por outro material são opções sempre lembradas, mas de implementação complicada. A diretora executiva da Associação Brasileira de Embalagens (Abre), Luciana Pellegrino, observa que, em geral, mudanças de embalagem implicam alterar toda a cadeia de logística e substituir os protocolos de segurança. A própria reciclagem produz impacto ambiental. Todo o reprocessamento queima óleo diesel no transporte dos materiais e consome enormes quantidades de água doce e de energia elétrica.

Certas iniciativas vão no caminho correto, mas têm alcance limitado. No final de agosto, a empresa de cosméticos Natura se propôs a atuar no aumento do nível de consciência e na educação pela reciclagem. As lojas do grupo, junto com as da The Body Shop, passaram a dispor de pontos de coleta. Cada conjunto de cinco embalagens dará direito a um produto ainda a ser anunciado “Educar o cliente é oportunidade de aumentar a reciclabilidade e o descarte responsável”, argumenta Denise Hills, diretora de Sustentabilidade da Natura.

Mas o processo de educação do consumo é complexo. Como conseguir que pessoas simples consigam distinguir vidros e plásticos recicláveis dos não recicláveis? Como exigir lavagem prévia em famílias que nem dispõem de água encanada em casa?

O processo de revisão da cadeia de logística, por outro lado, envolve pesquisa, custos adicionais e, mais importante, o engajamento do consumidor.

A startup brasileira Eureciclo, fundada em 2016, se propõe a atuar nesse processo. Ao analisar as notas fiscais eletrônicas emitidas pelas empresas, ela certifica as cadeias de logística reversa e inclui o selo “Eu Reciclo” na embalagem para quem está de acordo com as necessidades do Planeta. Para garantir o selo, a startup utiliza a compensação ambiental, similar à adotada no mercado europeu de carbono, para gerar créditos para quem atinge a meta prefixada. A não observância das regras implica necessidade de compra de créditos de outra empresa. No longo prazo, é incentivo para gerar mudanças na cadeia e, ao mesmo tempo, garantir caixa para quem a cumpre.

“Sobrar embalagem é uma externalidade negativa. Catadores e operadores de triagem, ao reciclarem, geram uma externalidade positiva, por exemplo”, observa Marcos Matos, diretor de marketing da Eureciclo. “Quem gerou a externalidade negativa deve pagar por ela e o elo positivo deve receber uma recompensa em dinheiro, e não só ganhar pelo material que recicla.”

Kin Honda, consultor da Ernst & Young, adverte que só haverá resultados se governo, consumidor e empresas se empenharem em colocar em prática a Política Nacional de Resíduos Sólidos. (Com Guilherme Guerra)

Celso Ming é jornalista especializado em Economia e escreve para a Agência Estado