Lutas pelo Castelo da Paz
Crédito da foto: Acervo Pessoal
Edgard Steffen
Land, Land, Land! Höre des Hernn Wort
Ó terra, terra, terra! Ouve a voz do Senhor
Jeremias 29:22
Vídeo intitulado “Você sabia?” (TV Câmara de Campinas, SP) mostra o Bairro de Friburgo, reconhecido como patrimônio histórico-cultural do município. O tombamento representa vitória dos moradores e descendentes dos primeiros colonos que fundaram o bairro, porque a ampliação do Aeroporto de Viracopos quase resultou na extinção do Castelo da Paz (do alemão Burg e Frieden). Para evitar a derrubada de três edificações históricas -- Sociedade Escolar, Igreja Luterana e Cemitério dos Alemães -- tiveram que alterar o projeto original do aeroporto.
Os fundadores vieram da Europa para trabalhar na Fazenda Sete Quedas, pertencente a Joaquim Bonifácio do Amaral -- Visconde de Indaiatuba -- político liberal abolicionista. Suas fazendas contrataram e abrigaram europeus (alemães, suecos, suíços) e brasileiros.
Desde 1800 o café era a principal riqueza do Brasil. E a cafeicultura exigiu -- e ainda exige -- muita mão de obra. Com o crescimento do movimento abolicionista e leis como a de Eusébio de Queiroz (1850) que proibia de fato o tráfico de escravos, os barões do café buscaram alternativa que viabilizasse a continuidade e expansão de seus negócios. Explico o “de fato”. A Marinha Inglesa patrulhava as rotas dos navios negreiros no Atlântico. As leis brasileiras contra o tráfico de escravos africanos -- a 1ª promulgada em 1831 -- eram inócuas e passíveis de burla. Nasce aí a expressão “pra inglês ver” usada até hoje.
Na fazenda Sete Quedas e no Friburgo as origens de minha família. Descendentes Steffen e Fahl (alemãs), Magnusson (sueca) e Krähenbühl (suíça) contraíram matrimônio de tal forma que -- sem consanguinidade -- constituíram novas famílias com duplo elo. O patriarca de nosso clã foi Hans Steffen desembarcado, no Porto de Santos, aos 16 de agosto de 1865. Hans era descendente de trabalhadores rurais que pagavam para usar a terra de nobres no condado do Holstein.
Os colonos trabalharam duro até quitar as despesas da viagem e sobrar algum pecúlio. Com a poupança, 35 famílias adquiriram terras boas e baratas, numa área situada entre Campinas, Indaiatuba e Montemor. Construíram suas casas a uma distância de 500 metros umas das outras e formaram o bairro. Uma das primeiras providências, a edificação de sala multiúso (escola, culto e salão de festas) e casa para professor buscado na Alemanha. Em lugar de café, plantaram comida. Batata principalmente. Também cuidaram em melhorar o plantel de gado bovino e suíno
Deram-se bem. Luta mais difícil foi a construção de capela luterana, erigida após a queda da monarquia. A legislação imperial proibia qualquer tipo de igreja que não fosse da religião oficial. Outra luta, na qual foram ajudados pelo advogado e vereador Bento Quirino, foi a permissão para enterrar seus mortos no próprio bairro.
Pelo citado vídeo, podemos ouvir Hédio Ambrust Jr -- morador descendente dos fundadores -- declamar o discurso “Uma saudação aos antigos” (Ein Gruss den Alten) proferido na comemoração aos 50 anos da chegada dos primeiros friburguenses ao Brasil. O discurso fala do veleiro Johanna Elizabeth, do Capitão Cornelius Lorensen, dos cento e doze holstenianos, prussianos e suíços. Da terra prometida que tiveram de conquistar, dos que morreram aos magotes por doenças que não conheciam e da maioria que foi bem-sucedida. O discurso, datado 16 de agosto de 1906, é de autoria de Hans Steffen. Parênteses. Passados 94 anos, no mesmo 16 de agosto, após duas horas e meia de sacolejo em estrada de terra, aportei por aqui.
O vídeo mostra o interior da pequena igreja. Sobre o altar, em alemão gótico, o apelo que ilustra esta crônica (Jeremias 29:22). A maioria dos que vieram para a Sete Quedas e Friburgo prosperou. Ouviram a voz do Senhor.
Lição para estes dias em que o planeta Terra anda muito mal. Talvez por não dar ouvidos à voz do Senhor dos Senhores.
Edgard Steffen é escritor e médico pediatra - E-mail: [email protected]