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Livros, filmes e vidas

27 de Abril de 2019 às 00:01

Livros, filmes e vidas Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Desde 1995 a Unesco instituiu o 23 de abril “Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor”

As exéquias de Victor Hugo (83 anos, 1885) atraíram mais de 1 milhão de pessoas de todas as classes sociais. As prostitutas compareceram trajando luto. O cadáver do escritor, poeta, dramaturgo, ensaísta, político -- defensor dos direitos humanos e representante maior do Romantismo na França -- foi velado no Arco do Triunfo e sepultado no Panteon, em simples caixão de pinho segundo seu desejo.

Prolífico, algumas de suas obras gozaram de sucesso instantâneo. Garantiram-lhe vida economicamente confortável. Duas se destacam e estão perpetuadas em musicais, filmes e até animações. “Notre-Dame de Paris” (1831) e “Les miserables” (1862).

Durante city-tour em Paris (1975), apesar da pressa do roteiro turístico, pudemos sentir a grandiosidade histórico-cultural da Catedral gótica. Ajudaram-me lembranças das acrobacias de Quasímodo (Charles Laughton) nas gárgulas e sinos.

O ator inglês, aconselhado pelos médicos, estudou teatro e interpretação como terapia para recuperar controle das cordas vocais lesadas por gás nas trincheiras da 1ª Grande Guerra. Das versões cinematográficas, foi o melhor Quasímodo (1939). Antes dele, Lon Channey no cinema mudo (1923); após ele, Anthony Quinn (1956) e Anthony Hopkins (1982). Laughton, antes do papel do corcunda apaixonado pela cigana dançarina, havia interpretado Inspetor Javert -- perseguidor implacável de Jean Valgean (Frederich March) na versão cinematográfica de “Os miseráveis” (1935).

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Instalação precária em ascensor de material quase destruiu a catedral. Recursos arrecadados (e a arrecadar) permitirão que seja restaurada em poucos anos. Os Estúdios Walt Disney doarão US$ 5 milhões. Pouco para quem lucrou US$ 225 milhões (líquidos) com a animação do Hunckback (1997). Graças ao impacto do incêndio, as pesquisas e publicações da mídia permitem ao homem comum conhecer pormenores deste patrimônio da Humanidade muito além das versões cinematográficas. As inserções falam do livro “O Corcunda de...”. A história do sineiro Quasímodo, da cigana Esmeralda, do arquidiácono Frollo e do capitão da guarda Febo foi batizada por Victor Hugo “Nossa Senhora de Paris”. O sucesso do livro levou o poder público (1884) a restaurar a catedral que andava meio deteriorada.

Monumento espetacular da arquitetura gótica, por várias vezes esteve ameaçada pela insensatez do bicho-homem. Quase foi destruída na Revolução Francesa (1793). Saqueada e usada como depósito de pólvora e alimentos, teve destruída parte de seu acervo de arte. Os revolucionários, por exemplo, decapitaram as 28 imagens dos reis de Judá. Em 1871, quase foi incendiada pela Comuna de Paris. Na 2ª Grande Guerra, Hitler mandou arrasar a capital francesa e seus símbolos. O Gal. Dietrich Von Choltitz, governador militar, desobedeceu ao furioso führer. Humanismo? Ou falta de recursos para o arraso?...

Se fama e fortuna de Victor Hugo deram-lhe conforto financeiro, o mesmo não se pode dizer de sua vida familiar. Casou-se com a amiga de infância Adèle Foucher. Seu irmão, Eugene, que era apaixonado pela moça, pirou de vez e acabou seus dias num hospício (1837). Victor e Adèle tiveram três filhos (Leopold, Charles e François) e duas filhas (Leopoldine e Adèle). O primogênito faleceu ainda criança. Após o nascimento de Adèle filha, a esposa recusou-se a dividir a cama com o marido. A partir daí Victor Hugo entregou-se à libertinagem. Teve muitas amantes entre atrizes, aristocratas, gente comum e até meretrizes.

Leopoldine morreu afogada no Sena em plena lua de mel. O marido tentou salvá-la, mas sucumbiu ao “abraço da afogada”. O pai estava hospedado, incógnito com a amante, num hotel. Soube do acidente ao ler os jornais da manhã. A filha mais nova também não teve vida fácil. Esquizofrênica, apaixonada por um soldado inglês -- que a desprezava -- correu o mundo atrás do amor impossível e degradou-se ao extremo. Terminou seus dias numa casa de repouso. Seu drama foi contado por Truffaut em “A História de Adele H”.

Fontes -- Wikipedia -- Enc. Delta-Larrousse -- Estadão (18/4/2019)

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul -- [email protected]