Impostores

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Crédito da foto: pixabay.com

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Leandro Karnal

Descobri, há pouco, a Síndrome do Impostor. Foi mapeada no final dos anos 1970 por psicólogas norte-americanas. O tema cresceu na pandemia. Trata-se de uma condição curiosa e terrível ao mesmo tempo na qual pessoas, em posições de sucesso em seus empregos, se sentem um embuste. Quem sofre dessa síndrome não consegue aceitar que é bem-sucedido pelos seus méritos. Pelo contrário, acha que ascendeu enganando seus colegas e chefes. Uma pesquisa da USP revela que a síndrome atinge todos, particularmente mulheres: quanto mais poderosas e respeitadas, maior a pressão por desempenho e, consequentemente, maior a ideia de que estão apenas enganando todo mundo.

A Síndrome do Impostor/da Impostora é sintoma de nossos tempos. Competição extrema, cobranças, teologia do empreendedorismo, o mundo das redes sociais e seus espelhos que nos mostram sempre mais feios que nossos pares. Some isso a uma sociedade da performance, que Byung-Chul Han descreveu: vivemos em torno da ideia de aparentar superprodutividade, sempre lidando com excelência (no trabalho, no lazer, na vida sexual...), sempre comunicando.

A história é cheia de outro tipo, sem síndrome: são os “trambiqueiros” se passando por outro para ter vantagem na vida. Alguns são tão notórios e com histórias tão insólitas que tiveram suas vidas biografadas e filmadas, como João Estrella e Frank Abagnale Jr. Ambos se fizeram passar por tanta gente ao longo da vida que suas próprias personalidades parecem ser múltiplas.

Também notamos o candidato a alguém famoso, poderoso. Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, sumia em batalha no norte da África. Havia relatos que confirmavam que ele morrera junto de dois importantes líderes muçulmanos, igualmente em combate. Muitos juraram que ele sobrevivera. Durante as décadas seguintes, incontáveis Sebastiões apareceram reclamando o trono de Portugal. A maioria nem sequer falava português e acabou encontrando a forca e não a coroa. Mais curioso é pensar que alguns chegaram a ganhar apoio de nobres que juravam estar vendo as feições do jovem rei desaparecido. Em época anterior à fotografia e ao DNA, como comprovar que alguém era quem dizia ser? Confiando apenas na memória? Você acha possível, caro leitor e estimada leitora? Pois tente, sem ajuda de fotos, lembrar-se do rosto de alguém que não vê há 10 ou 20 anos e perceba que ele não é nítido. Imagine a pessoa, envelhecida pelas décadas, esfumaçada pela memória, batendo a sua porta e reclamando um abraço. Será ela mesma?

Pois, se entre a nobreza era possível, entre os comuns também. Esse dilema foi vivido numa pequena vila francesa em 1560, na qual um homem, Martin Guerre, afirmava ser um antigo morador que fora à guerra anos antes. Ele foi reconhecido pela esposa, sobre quem sabia detalhes íntimos, e morou com ela por muito tempo, tendo filhos. Anos depois, foi desmascarado e morto. A esposa sempre afirmou preferir o impostor ao verdadeiro. Essa história foi narrada magistralmente pela historiadora Natalie Zemon Davis, virou filme com Gérard Depardieu no papel do Martin impostor. O cinema norte-americano adaptou a história para a Guerra Civil no filme Sommersby (O Retorno de um Estranho, 1993), com Richard Gere e Jodie Foster.

O Delfim, príncipe Louis-Charles, filho de Luís 16 e de Maria Antonieta, morreu em decorrência de maus-tratos, aos 10 anos, na prisão. Era 1795. Ele foi enterrado sem cerimônia, na lógica de que pertencia aos inimigos da Revolução, dois anos depois da decapitação de seus pais. Pois tão logo a guilhotina sossegou e o furacão Bonaparte sumiu, candidatos a herdeiro pipocaram. Mais de 100 deles. Todos queriam a coroa e afirmavam ser o jovem herdeiro que ninguém mais vira, alegando que haviam fugido ou sido soltos. A França teve que criar uma lei proibindo que pessoas se apresentassem ao cargo! Pois, em 1817, um sujeito vindo de Nova Orléans foi preso em Paris para onde tinha ido reclamar seu trono por direito. Morreu na cadeia. Pelo menos nisso se pareceu com o malfadado Luís 17.

O mesmo se passou com outra família de sangue azul muito conhecida. Os Romanovs foram fuzilados em um porão obscuro. Candidatas a uma das quatro princesas não faltaram. O mesmo para o czarevich Alexei, um menino hemofílico que era o herdeiro direto da coroa. De todos esses impostores a que mais fama ganhou foi a polonesa Franziska Schanzkowska, também conhecida como Anna Anderson, que chegou a ganhar notoriedade e admiradores como a princesa Anastásia. A lenda de que a mais nova das meninas havia sobrevivido se tornou incontrolável e até desenho animado da Disney foi produzido explorando a vida que ela teria levado. Em 2008, exames de DNA confirmaram as ossadas encontradas como sendo da família imperial e eles foram sepultados com a lenda de que haviam sobrevivido miraculosamente

Toda a moeda tem anverso e reverso. Talvez, caso você se sinta um impostor e tenha vergonha disso, na verdade, caro leitor e leitora, você já demonstra caráter. Provavelmente, está errado. Por outro lado, caso você se sinta um impostor e tenha certo orgulho de enganar os outros, lembre-se, você tem companhia histórica muito mais competente. Boa semana a autênticos e a impostores. No fundo, somos todos humanos.

Leandro Karnal é historiador e escritor, autor de “O Dilema do Porco-Espinho”, entre outros.